Ninguém aguenta ser amante muito tempo.
O trauma dos amantes é que eles não
querem ser amantes. Não curtem. É como um torcedor declarar que
adora ver seu time de coração na série B; não cabe, não dá. O
desejo é retornar à série A. Mas o que está errado é o
sentimento diante da história, não a história.
Porque ser amante não significa segunda
divisão, assim como ser casado não expressa uma elite do amor. Ai,
que nó.
É como um engenheiro trabalhando como
balconista: confessa que é passageiro; é como uma advogada
trabalhando como manicure: alega que é provisório. Mas exercer os
papéis de balconista e manicure não são depreciativos, é a
comparação social que os torna inferiores. Incorporamos a convenção
de que a engenharia e a advocacia são melhores ao exigir esforço,
estudo e dinheiro.
Infelizmente, amante guarda um apelo de
rejeição, de transitoriedade: se é ou se exerce a condição na
ausência de uma situação duradoura e estável. Amante é passagem
para uma história completa. Uma transição. Experimentar a
catacumba dos motéis e horários quebrados para retornar à
claridade. Responde a um sacrifício para conquistar definitivamente
uma pessoa.
Não somos treinados a suportar um amor
sem alarde. O problema dos amantes não é a falta de amor, é a
falta de manchete do amor, a impossibilidade de contar aos outros que
se está amando, já que os envolvidos são casados.
Pares terminam separados pela ausência
de visibilidade e reconhecimento social, nunca em função de uma
redução do amor. É como deixar de torcer pelo time, pois ele não
ganhou nenhum título.
Um casal de amantes pode ser — mal ou
bem — a história completa. E se a aventura é o máximo que cada
um pode chegar ou atingir de entrega? Casando, será que os amantes
não voltarão a dedilhar o tédio que escaparam ao criar um caso?
O amante se define como um
constrangimento. Um vexame. Deveria se orgulhar de sua liberdade, da
graça da insuficiência, mas insiste em fixar os pés na antessala
nupcial e aceitar a dependência externa.
Somos ainda institucionalistas, confia-se
que o casamento cura ou converte algo negativo (o amante) em algo bom
(marido ou esposa). O que mudará com o casamento é somente a
exposição oficial do que ocorria em surdina. Por isso, tantos
amantes lamentam que o outro não “assume a relação”. Assumir a
relação é casar. O que eles procuram é uma promoção. O ambiente
amoroso permanece carregado de um jargão profissional.
De modo paradoxal, o que um amante mais
deseja é dormir de conchinha ou que seu parceiro perca a hora e não
vá de madrugada depois de transar. Que permaneça na cama a oferecer
um colo muito próximo do concedido no matrimônio. Não é
intrigante que a prova de confiança pretendida pelo amante seja
andar de mãos dadas nas vias mais expressas ou beijar em público?
Afirmação ao amante é negar sua natureza proibida para se
aproximar da visibilidade marital.
Os amantes são os monogâmicos ocultos.
Os monogâmicos tímidos. Não sobrevivem ao jogo instável,
dispersivo e intenso do sigilo. Entram num caso para legitimar e
regulamentar a relação.
O canalha nasceu para perpetuar a crise.
Para mostrar que o amante não é o subdesenvolvido do afeto, como se
acredita, ou que o casado é o civilizado da paixão, como se
imagina.
Fabrício Carpinejar, in Ai meu
Deus, ai meu Jesus
Nenhum comentário:
Postar um comentário