terça-feira, 22 de maio de 2018

O planeta do mundo

De longe todo azul, de muito perto
terá outra cor, mas não a esmo. Reações
de átomos, essas coisas pequenas.
É a certa meia-distância (mas entre
o que e o quê?) que as cores
multiplicam-se. O palco
que está dentro do teatro sem o ser.
Quem me dera ver o mundo a partir
da Lua, ver o planeta de dentro
da estação de metrô da Consolação.
Na Muralha da China ver a Estação
Espacial Internacional e desta,
a Muralha da China. É que já não sei
distinguir entre as árvores
que morreram para doar a madeira
ao palco dos atores e às cadeiras
da plateia. Todos corpos, as árvores
dos assentos e as do tablado, das vigas
que suportam o teto sobre a gente
da performance e do público.
Esses corpos a esmo. Que escolhem
onde sentar-se para melhor
ver o espetáculo ou para estar ao lado
de um corpo que foi eleito a melhor festa
da cidade. Colisões. Coalizões.
Que não seja uma guerra, é só
o que pedimos. Interagir sem interferir.
A equidistância ideal e por ideal jamais
com sua própria estação ferroviária.
Sinto falta é dos lanterninhas dos cinemas.
Do sinal de ternura dos cães-guia.
De ler uma história para que durma
o ainda-não-alfabetizado. Avante, infante!
Façamos dinheiro então para hospitais
e rodas-gigantes se há o necessário
e há o imprescindível, ninguém
quer escolher entre o pão e o circo.
Nada é causa e tudo é consequência,
e acontece o que acontece quando acontece:
o pôr-do-sol na Praça do Pôr-Do-Sol
e os cânceres no Instituto do Câncer.
Até as células enlouquecem sozinhas,
decidem desviar-se de seu manual de instruções.
Por que não eu que as chamo de minhas?
Não foi a erros de cópia que devemos
esses pássaros de cores loucas,
esses mamíferos d’água como se peixes,
esses primatas pelados que amamos na cama
a cada cama, acarinhando seus pelos
restantes e finos? Somos tão peludos
quanto chimpanzés e bonobos,
essa primaiada toda, querido, são
apenas menores e mais frágeis as fibras
dessa roupa nossa nascida e dada
à qual acrescentamos o necessário, o imprescindível.
O mundo no planeta e o planeta fora do mundo,
mas não acaba a peça
se queima até o chão o teatro?
Não se ilumina por diligência as saídas de emergência?
Quantas mortes não ocorrem em cena.
Todas. Nenhuma. Esse mundo, que mundo,
que planeta ocorrível e aconteçoso,
esse vulcão que não se extingue até que se extinga,
esse mar que martela a praia constante,
mais abaixo, mais acima, como quem apalpa
o que dói, para dizer: ‘Aqui dói. Dói aqui.’
Dizer ah! e oh!, como uma criança
dizer a alguém que é protetor e progenitor:
‘óia eu! óia eu!’, essas vogais da descoberta
de si e do outro, a alegria
de que alguns de nós já nasçam
sem os dentes do ciso, sem marfim
já nasçam elefantes. Tudo é causa
e nada é consequência, e pede-se apenas
que se assista ao circo e que se assista o pão.
Que se ilumine o corredor
para os que chegam agora ao filme
que é trailer do trailer do curta-metragem
sobre um pôr-do-sol e um câncer.
Agasalhe-se, é por vezes inclemente o clima.
Acordou, querido? Acorde, querido.
Está com sede o cão-guia.
Ricardo Domeneck

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