Estudando
a luz trêmula (Superstições e costumes, Ed. Antunes, Rio de
Janeiro, 1958), escrevi: “Vez por outra, a chama de ouro oscilava,
tremendo ao sopro de invisível vento misterioso. Vezes o morrão
estalava, esturrando. A voz da narradora de encantos, Xerazade
matuta, sustinha o fio da evocação, erguia a mão seca,
persignando-se.
– Que
foi, tia Lica?
–
Passou uma alma!”
Em
qualquer ponto do Brasil popular a chama que oscila sem vento
sensível anuncia a passagem de uma alma familiar, espírito do grupo
doméstico, revendo a morada terrestre. Por isso tia Lica fazia o
sinal da cruz. Valia uma saudação de reconhecimento afetuoso.
O
povo acredita que a Morte tenha forma e limitações somáticas.
Ocupa um lugar no espaço. Deslocando-se, provoca um movimento no ar
que a cerca, como a qualquer criatura humana e viva. Não faz rumor,
mas não pode deixar de produzir sinais que os antigos
sabiam identificar, como quem decifra uma escrita hieroglífica. O
povo sabe, na visão apavorante do espectro, se a alma é boa,
deixando o Paraíso em missão orientadora, ou má, vinda do
Inferno num “comando” satânico. E se é realmente alma do
outro mundo ou visagem engendrada pelo Medo, que é
um deus poderoso. Mas isso é outra estória...
Quando
uma alma passa, a chama das velas ou das lâmpadas treme como se
fosse tocada por uma aragem. Quando sentimos um estremecimento
súbito, incontido, um inexplicável arrepiamento no dorso, leve
eriçar de cabelos, uma sensação rápida de frio, o gesto
instintivo de erguer os ombros, não tenha dúvida, a Morte passou
por perto, roçando-nos.
Há
o mesmo complexo apavorante em Portugal. Deve haver na Espanha. No
sul da França, na Provence, núcleo irradiante para a Península
Ibérica, perpassa o mesmo frisson quando a Morte passeia.
Mistral,
em Mieio (Avignon, 1859, canto nono), escreveu: “Un frejoulun me
vèn... léu ai senti la Mort qu’a passa comme un vent!”. Um
tremor me vem... Senti a Morte passar como um vento...
A
crendice fixa um conceito popular sobre a personalização da Morte.
Não essa ou aquela figura, esqueleto com foice, nascida na Idade
Média, fantasma de braços descarnados, caveira com longa roupagem
branca, mas a ideia de uma conformação estável e que, mudando de
lugar, determine um movimento perceptível no ambiente,
impressionando o sistema nervoso dos entes humanos e de certos
animais, cães, gatos, pássaros de agouro, dando à epiderme a
crispação e o arrepio.
Mas,
voando, enfastiada e farta, a Morte parece não procurar sua vítima.
La
Mort n’en a pas faim, dizem os franceses, nesse caso.
Luís
da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz
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