O
que a Maura fez com o Inácio — era a opinião geral — não se
faz nem com um cachorro. Logo com o Inácio, flor de pessoa. A turma
se solidarizou com o Inácio e, para tirá-lo da depressão, decidiu
vingar-se da Maura. Objetivo: fazer com a Maura o que a Maura fizera
com o Inácio. Desilusão por desilusão. Coração partido por
coração partido, sem piedade.
Escalado
para a função: o Boanova.
— Eu?!
— Você,
Boanova.
O
Boanova era o que se chamava, na época da máquina Remington e do
Simca-Chambord, de um boa-pinta. Um pão (também se dizia). As
mulheres suspiravam pelo Boanova. O Boanova usava topete fixado com
Gumex e fumava cigarrilha.
— Vocês
estão esquecendo que eu sou maricas — protestou o Boanova.
(Na
época ainda não se dizia “gay”.)
—
Melhor.
A
conquista da Maura pelo Boanova foi arquitetada com precisão
militar. O próprio Inácio — quando conseguiram resgatá-lo por
instantes da fossa (na época se dizia fossa) — instruiu o Boanova,
dizendo do que a Maura gostava (Chanel, beijo atrás da orelha,
Gregorio Barrios) e do que ela não gostava (filme de guerra,
Grapete), e colaborou num cronograma que detalhava todos os passos do
namoro, desde o coxa a coxa até a mão no peito, que o Boanova ouviu
com indisfarçável cara de nojo.
—
Importante — avisou o Inácio. — No
namoro na sala. A vó dela está sempre junto.
Mas
a avó dormia. Variava: às vezes levava quinze minutos para largar
as agulhas de croché no colo e começar a roncar, às vezes levava
mais. Mas quando começava a dormir não parava até que o namorado
fosse embora. Havia tempo de sobra para desengatar o sutiã.
E
começou o romance da vingança. Maura e Boanova. A turma pedia
relatórios, a intervalos. Em que fase estava o namoro? O beijo atrás
da orelha, estava funcionando? Já tinham chegado à mão no peito?
— E
aí, Boanova?
— Está
indo, está indo — dizia o Boanova, tragando sua cigarrilha.
Uma
noite, o Boanova informou:
— Está
no papo.
Chegara
a hora. Boanova deveria dar o fora na Maura, para ela aprender. Dizer
que não a amava, que o namoro era uma farsa. Até contar que não
gostava de mulher. O importante era desiludi-la. Mandá-la para a
mesma fossa em que já estava o Inácio.
Estranhamente,
o Boanova não mostrou muito entusiasmo com o plano. Pediu mais
tempo. E aconteceu o que o leitor certamente já previa. Em vez de o
Boanova dar o fora na Maura, foi a Maura que deu o fora no Boanova,
fazendo com ele o que não se faz com um cachorro. E hoje o Boanova
está na fossa, e não para de suspirar, pensando na Maura. Teriam
que escalar outro para a vingança. Mas, depois do que aconteceu com
o Boanova, ninguém se anima.
Luís
Fernando Veríssimo,
in Amor
veríssimo
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