A
conversa é uma metáfora dos jogos amorosos. Há quem pense que o
objetivo dos jogos amorosos é o orgasmo; pelo menos com o orgasmo os
jogos amorosos chegam ao fim. Outros pensam que o fim, além do
orgasmo, é a fecundação. Mas os corpos dos amantes têm outras
ideias. O objetivo do jogo amoroso é estar brincando. Na conversa, o
objetivo não é o final, a comunicação de uma informação, é o
prazer de estar indo. A caminho dos picos há vistas fascinantes.
Desejo o prazer de “estar indo”. O corpo se deleita na prática
da linguagem, em si mesma. Sabedoria de Riobaldo: “O real não está
na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da
travessia”.
Uma
conversa é um exercício num estilo de pensamento: nunca se sabe
direito o que vai aparecer... Ao final do seu prefácio, Wittgenstein
diz: “Eu não gostaria que as coisas que escrevo poupassem as
outras pessoas de pensar. Ao contrário, se possível, gostaria de
estimulá-las a pensar pensamentos que fossem delas mesmas.”
O
importante na conversa são os pensamentos que ela provoca e não as
conclusões a que se chega. Uma sessão de psicanálise é conversa e
não aula.
Se
há uma coisa que é proibida num texto de saberes são as
reticências. As reticências indicam que a caminhada não chegou ao
fim. Mostram um caminho a ser seguido. São as reticências que dão
vida a uma conversa: elas são a permissão e o convite para que o
outro diga os seus pensamentos. Um texto de saber diz o resultado de
um processo de pensamento. Uma conversa é o seu oposto. Um resultado
colocaria um fim à conversa. A conversa é um movimento solto do
pensamento e da fala – e, à medida que se conversa, pensamentos
não pensados vão se intrometendo, mudando o curso da conversa,
levando-a para um lado e para outro.
Essa
“digressão” a que estou me entregando é proibida num texto de
saber. Textos de saber proíbem que os autores se entreguem a
confissões sobre os caminhos e descaminhos dos seus pensamentos
antes de atingir o seu destino de conhecimento. O que se exige de um
texto de saber é que o autor faça uma assepsia rigorosa nos seus
materiais. Tudo aquilo que não diz respeito ao caminho em linha reta
, que leva do problema inicial à conclusão, deve ir para a lixeira.
Assim, as experiências malsucedidas, hipóteses equivocadas e erros
vão para o lixo do esquecimento. É como se não tivessem
acontecido.
É
assim que se ensina ciência em nossas escolas. Os alunos aprendem a
equação de 2o grau, mas não os caminhos e descaminhos do
pensamento do matemático que a elaborou. Os professores ensinam as
três leis dos movimentos dos planetas, de Kepler, mas nada falam
sobre os caminhos fascinantes por onde errou o pensamento do
astrônomo por dezoito anos. Pensa-se que o que importa é ensinar a
conclusão verdadeira. Por que perder tempo com os equívocos? Não
se percebe que, ao proceder assim, o aluno aprende o ponto de chegada
sem aprender o caminho, a arte de pensar. Pensar é como escalar
montanhas. Um alpinista recusaria o caminho rápido e seguro de
chegar ao topo da montanha via helicóptero. O que ele deseja são os
medos, os calafrios, os desafios da montanha. Assim, os alunos
aprendem os resultados do pensamento e se tornam capazes de
repeti-los. Tornam-se capazes de resolver exercícios. Mas não
aprendem a arte de pensar. A arte de pensar se aprende seguindo-se o
caminho que o pensamento realmente seguiu.
Rubem
Alves,
in Variações
sobre o prazer
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