O
próximo passo neste processo nos leva ao argumento do plano divino.
Todos conhecem o argumento do plano divino: tudo no mundo é feito
para que consigamos viver nele, e, se o mundo fosse mesmo que só um
pouquinho diferente, não conseguiríamos habitá-lo. Esse é o
argumento do plano divino. Às vezes ele toma uma forma bastante
curiosa; por exemplo, argumenta-se que as lebres têm cauda branca
para serem alvo fácil dos caçadores. Não sei o que as lebres
achariam dessa aplicação. Trata-se de um argumento realmente fácil
de parodiar. Todos os senhores conhecem a observação de Voltaire de
que o nariz obviamente foi desenhado de modo que pudesse segurar os
óculos. Esse tipo de paródia revelou-se nem de perto estar tão
distante da verdade quanto podia parecer no século XVIII, porque
desde a época de Darwin compreendemos de um modo muito melhor por
que as criaturas vivas se adaptam a seu ambiente. Não que o ambiente
seja feito para se adequar a elas, mas elas é que se modificam para
adequar-se a ele, e essa é a base da adaptação. Não existe
evidência de plano divino em relação a isso.
Quando
se examina esse argumento do plano divino, parece surpreendente que
as pessoas possam acreditar que este mundo, com todas as coisas que
ele contém, com todos os seus defeitos, deve ser o melhor que a
onipotência e a onisciência conseguiram produzir em milhões de
anos. Eu realmente não consigo acreditar nisso. Os senhores acham
que, se tivessem a onipotência e a onisciência e milhões de anos
para aperfeiçoar seu mundo, não seriam capazes de produzir nada
melhor do que a Ku-Klux-Klan ou os fascistas? Ademais, quando se
aceitam as leis comuns da ciência, é necessário supor que a vida
humana e a vida em geral neste planeta morrerão a seu tempo:
trata-se de um estágio de decadência do sistema solar; em um certo
estágio dessa decadência, obtêm-se o tipo de condições de
temperatura, e assim por diante, que são adequadas ao protoplasma,
sendo que existe vida, durante um curto espaço de tempo, na vida de
todo o sistema solar. Vê-se na lua o tipo de coisa que é a
tendência da Terra – transformar-se em algo morto, frio e sem
vida.
Disseram-me
que esse tipo de visão é deprimente, e as pessoas às vezes afirmam
que, se acreditassem nisso, não seriam capazes de continuar vivendo.
Não acreditem nisso; não passa de disparate. Ninguém realmente se
preocupa com o que irá acontecer daqui a milhões de anos. Mesmo que
achem que se preocupam muito com isso, na verdade só estão se
enganando. A preocupação delas diz respeito a algo muito mais
mundano, ou pode tratar-se meramente de má digestão; mas ninguém
de fato fica seriamente infeliz por pensar que algo de ruim vai
acontecer com este mundo daqui a milhões de anos. Assim, apesar de
obviamente ser uma visão fúnebre supor que a vida morrerá – pelo
menos suponho que possamos fazer essa afirmação, apesar de às
vezes eu achar que isso é quase um consolo, quando vejo as coisas
que as pessoas fazem com a própria vida –, isso não é tão
terrível a ponto de transformar a vida em um tormento. Essa questão
simplesmente faz com que se volte a atenção para outras coisas.
Bertrand
Russell, in Por que não sou cristão
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