Ilustração: Fernando Vilela
O
nome de Antônio e o de Karina passaram a só andar juntos na boca do
povo.
Lá
vêm Karina e Antônio, lá vão eles.
A
palavra sempre lhes servia de acompanhante.
Os
dois não se afastavam nem nas frases, nem nos cantos, nem mesmo no
pensamento. Seus olhos também não se afastavam nunca, os dele dos
dela, os dela dos dele, nem as bocas e nem as mãos. Os pedaços de
um foram descobrindo os pedaços do outro, por partes, até chegar a
hora em que cada pedaço de um conhecia o outro inteiro.
Karina
nunca tinha visto isso nem no filme. Não daquele jeito.
Antônio
também desconhecia esse negócio que dá dentro da pessoa nessa
hora, algo que só tem vantagem, uma atrás da outra, e bastam apenas
dois pra senti-lo, e mais nada, podia existir coisa melhor na vida?
Na
noite em que Antônio e Karina viraram um só de vez, quando todos os
pedaços dos dois, sem faltar nenhum, se ajeitaram num mesmo espaço,
e as duas bocas, enquanto separadas, murmuraram bobagens
importantíssimas, e os dois pensamentos conheceram juntos lugares
que não existem, coincidiu que a lua também estava cheia. E, se a
lua estava cheia, a noite também devia estar se sentindo o máximo.
Nordestina
se dividia entre os que estavam indo embora de lá, os que estavam
preocupados com isso, e Antônio, que não estava indo embora, porém
não estava nem aí. Talvez porque achasse que Karina nunca iria de
fato, apesar de viver treinando pra tal, talvez porque sua cabeça
estivesse sempre ocupada em encontrar maneira de fazer acontecer, um
por um, cada querer que ela possuía.
Como
a pobre da coitada, fora tudo que queria, não possuía era nada, ele
se sentia então na obrigação de lhe dar motivo pra existir e
pôs-se a cercá-la de qualquer coisa que se parecesse com sorriso.
Lá no fundo é claro que ele sabia que aquilo era muita da enganação
com ela e que, mais cedo ou mais tarde, ia terminar descobrindo o
lógico: quanto mais motivo pra existência Antônio lhe desse, mais
e mais existir ela ia querer.
Por
enquanto ainda estava bom. Satisfazer o desejo de Karina era bastante
agradável, senão que pra complicar a vida de Antônio ela nunca fez
sequer um único pedido fácil. Bem que Karina podia querer o sol, a
lua, as estrelas e o Polo Norte, como todas as mulheres.
Mas
não.
Ela
achava de querer justo o que era mais difícil de proporcionar.
“Tirar
o escuro da noite, Karina, só isso apenas?” “Só isso, sim, mas
sem fazer a noite virar dia porque senão não tem graça”, ela
respondia sem pensar, pois seu pensar já estava procurando por outro
querer nessa hora. “E se a noite não é outra coisa senão o dia
quando escurece, como é que eu vou tirar somente a escuridão e
deixar a noite, Karina?” “Se eu soubesse como era, não pedia. Eu
mesma ia lá e tirava.” Antônio tinha que quebrar a cabeça várias
vezes por dia, mas não se importava com isso desde que resultasse
sempre numa ideia boa. “Já sei. Em vez de tirar o escuro da noite,
assim, de uma só vez, vou inventar toda noite uma estrela nova até
que uma fique tão perto da outra, mas tão pertinho, que ninguém
possa enxergar escuridão nenhuma entre elas.”
Graças
a Deus geralmente tudo acabava bem, enfim, com Karina se dando por
satisfeita.
O
problema era que além da vocação pra tudo querer, ela ainda tinha
tendência a querer saber de tudo. Até aí tudo bem. Normal. Dava
pra entender. O danado era que as perguntas de Karina exigiam muita
capacidade.
Queria
saber, por exemplo, por que a pedra cai quando a gente joga ela pra
cima, mas no que Antônio começava a mencionar a existência de um
puxão no centro da Terra que atendia pelo nome de força de
gravidade, ela logo esclarecia que não era a negócio de força de
gravidade que ela se referia, mas à falta de vontade das pedras.
Karina achava que era só a pedra querer, que voava. Karina achava,
aliás, que o querer de tudo era assim que nem o dela, irrecusável.
“Se
você quer que pedra voe, então pode deixar comigo. É fácil.”
“Pra que eu ia querer que pedra voasse, Antônio? A única coisa
que eu queria era que ela quisesse voar.”
E
assim ia ficando cada vez mais difícil, pois do querer de Karina,
disso Antônio entendia, mas o querer do resto era muito
diversificado devido ao resto ser justamente um pedacinho só, só
que ao contrário.
Adriana
Falcão, in A máquina
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