terça-feira, 3 de abril de 2018

Computando a felicidade

A importância das expectativas humanas tem implicações de longo alcance para entendermos a história da felicidade. Se a felicidade dependesse apenas de condições objetivas como riqueza, saúde e relações sociais, teria sido relativamente fácil investigar sua história. A descoberta de que ela depende de expectativas subjetivas torna a tarefa dos historiadores muito mais difícil. Hoje, temos um arsenal de tranquilizantes e analgésicos à disposição, mas nossas expectativas de alívio e prazer, e nossa intolerância à inconveniência e ao desconforto aumentaram a tal ponto que podemos muito bem sofrer muito mais com a dor do que nossos ancestrais sofreram.
É difícil aceitar essa linha de pensamento. O problema é uma falácia de raciocínio incrustada em nossa psique. Quando tentamos adivinhar ou imaginar quão felizes outras pessoas são hoje, ou quão felizes foram no passado, inevitavelmente nos imaginamos em sua pele. Mas isso não funciona, porque associa nossas expectativas com as condições materiais de outros. Nas sociedades afluentes modernas, é costume tomar um banho e trocar de roupa todos os dias. Os camponeses medievais ficavam sem se lavar por meses a fio e quase nunca trocavam de roupa. A mera ideia de viver dessa maneira, imundos e fedorentos, nos repugna. Mas os camponeses medievais não pareciam se importar. Eles estavam acostumados à sensação e ao odor de uma camisa há muito não lavada. Não é que quisessem uma troca de roupas, mas não pudessem obtê-la – eles tinham o que queriam. Então, pelo menos no que se refere a roupas, estavam contentes.
Pensando bem, isso não é tão surpreendente. Afinal, nossos primos chimpanzés raramente se lavam e nunca trocam de roupa. E tampouco nós ficamos incomodados pelo fato de que nossos cachorros e gatos de estimação não tomam banho nem trocam de pele todos os dias. Nós os acariciamos, abraçamos e beijamos da mesma forma. É comum, nas sociedades abastadas, que as crianças pequenas não gostem de tomar banho, e leva-se anos de educação e disciplina para que elas adotem esse costume supostamente atraente. É tudo uma questão de expectativas.
Se a felicidade é determinada por expectativas, então os dois pilares da nossa sociedade – os meios de comunicação de massa e a indústria da publicidade – podem, sem querer, estar esgotando as reservas de contentamento do planeta. Se você fosse um rapaz de 18 anos vivendo em uma pequena aldeia há 5 mil anos, provavelmente se consideraria atraente, pois só haveria uns 50 homens em sua aldeia, e a maioria deles seria composta de velhos com cicatrizes e rugas, ou ainda de meninos. Mas, se você é um adolescente nos dias de hoje, tem muito mais probabilidade de se sentir inadequado. Mesmo que os outros rapazes na escola sejam feios, você não se compara com eles, e sim com os astros de cinema, atletas e supermodelos que vê diariamente na televisão, no Facebook e nos outdoors gigantes.
Então, talvez o descontentamento do Terceiro Mundo seja fomentado não só pela pobreza, doença, corrupção e opressão política como também pela mera exposição aos padrões do Primeiro Mundo. O egípcio médio tinha muito menos probabilidade de morrer de fome, praga ou violência sob o regime de Hosni Mubarak do que sob Ramsés II ou Cleópatra. Nunca as condições materiais da maior parte dos egípcios foram tão boas. Seria de se esperar que eles estivessem dançando nas ruas em 2011, agradecendo a Alá por sua boa sorte. Em vez disso, eles se ergueram furiosamente para derrubar Mubarak. Não estavam se comparando com seus ancestrais sob os faraós, e sim com seus contemporâneos no rico Ocidente.
Se esse é o caso, até mesmo a mortalidade talvez leve ao descontentamento. Suponha que a ciência encontre cura para todas as doenças, terapias eficazes contra o envelhecimento e tratamentos regenerativos que mantêm as pessoas jovens por tempo indefinido. Com toda a probabilidade, o resultado imediato será uma epidemia sem precedentes de raiva e ansiedade.
Aqueles que não puderem pagar pelos novos tratamentos milagrosos – a grande maioria das pessoas – serão tomados por raiva. Ao longo da história, os pobres e oprimidos encontraram conforto na ideia de que pelo menos a morte é imparcial – os ricos e poderosos também morrem. Os pobres não ficarão confortáveis com a ideia de que têm de morrer, ao passo que os ricos continuarão jovens e bonitos para sempre.
Mas a ínfima minoria capaz de pagar pelos novos tratamentos também não ficará eufórica. Terá motivos de sobra para se sentir apreensiva. Embora as novas terapias possam prolongar a vida e a juventude, não podem ressuscitar cadáveres. Que assustador pensar que eu e meus entes queridos podemos viver para sempre, mas só se não formos atingidos por um caminhão ou explodidos em pedacinhos por um terrorista! É provável que as pessoas potencialmente amortais sejam avessas a correr os menores riscos, e a agonia de perder um esposo, filho ou amigo próximo será insuportável.
Yuval Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade

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