A
importância das expectativas humanas tem implicações de longo
alcance para entendermos a história da felicidade. Se a felicidade
dependesse apenas de condições objetivas como riqueza, saúde e
relações sociais, teria sido relativamente fácil investigar sua
história. A descoberta de que ela depende de expectativas subjetivas
torna a tarefa dos historiadores muito mais difícil. Hoje, temos um
arsenal de tranquilizantes e analgésicos à disposição, mas nossas
expectativas de alívio e prazer, e nossa intolerância à
inconveniência e ao desconforto aumentaram a tal ponto que podemos
muito bem sofrer muito mais com a dor do que nossos ancestrais
sofreram.
É
difícil aceitar essa linha de pensamento. O problema é uma falácia
de raciocínio incrustada em nossa psique. Quando tentamos adivinhar
ou imaginar quão felizes outras pessoas são hoje, ou quão felizes
foram no passado, inevitavelmente nos imaginamos em sua pele. Mas
isso não funciona, porque associa nossas expectativas com as
condições materiais de outros. Nas sociedades afluentes modernas, é
costume tomar um banho e trocar de roupa todos os dias. Os camponeses
medievais ficavam sem se lavar por meses a fio e quase nunca trocavam
de roupa. A mera ideia de viver dessa maneira, imundos e fedorentos,
nos repugna. Mas os camponeses medievais não pareciam se importar.
Eles estavam acostumados à sensação e ao odor de uma camisa há
muito não lavada. Não é que quisessem uma troca de roupas, mas não
pudessem obtê-la – eles tinham o que queriam. Então, pelo menos
no que se refere a roupas, estavam contentes.
Pensando
bem, isso não é tão surpreendente. Afinal, nossos primos
chimpanzés raramente se lavam e nunca trocam de roupa. E tampouco
nós ficamos incomodados pelo fato de que nossos cachorros e gatos de
estimação não tomam banho nem trocam de pele todos os dias. Nós
os acariciamos, abraçamos e beijamos da mesma forma. É comum, nas
sociedades abastadas, que as crianças pequenas não gostem de tomar
banho, e leva-se anos de educação e disciplina para que elas adotem
esse costume supostamente atraente. É tudo uma questão de
expectativas.
Se
a felicidade é determinada por expectativas, então os dois pilares
da nossa sociedade – os meios de comunicação de massa e a
indústria da publicidade – podem, sem querer, estar esgotando as
reservas de contentamento do planeta. Se você fosse um rapaz de 18
anos vivendo em uma pequena aldeia há 5 mil anos, provavelmente se
consideraria atraente, pois só haveria uns 50 homens em sua aldeia,
e a maioria deles seria composta de velhos com cicatrizes e rugas, ou
ainda de meninos. Mas, se você é um adolescente nos dias de hoje,
tem muito mais probabilidade de se sentir inadequado. Mesmo que os
outros rapazes na escola sejam feios, você não se compara com eles,
e sim com os astros de cinema, atletas e supermodelos que vê
diariamente na televisão, no Facebook e nos outdoors gigantes.
Então,
talvez o descontentamento do Terceiro Mundo seja fomentado não só
pela pobreza, doença, corrupção e opressão política como também
pela mera exposição aos padrões do Primeiro Mundo. O egípcio
médio tinha muito menos probabilidade de morrer de fome, praga ou
violência sob o regime de Hosni Mubarak do que sob Ramsés II ou
Cleópatra. Nunca as condições materiais da maior parte dos
egípcios foram tão boas. Seria de se esperar que eles estivessem
dançando nas ruas em 2011, agradecendo a Alá por sua boa sorte. Em
vez disso, eles se ergueram furiosamente para derrubar Mubarak. Não
estavam se comparando com seus ancestrais sob os faraós, e sim com
seus contemporâneos no rico Ocidente.
Se
esse é o caso, até mesmo a mortalidade talvez leve ao
descontentamento. Suponha que a ciência encontre cura para todas as
doenças, terapias eficazes contra o envelhecimento e tratamentos
regenerativos que mantêm as pessoas jovens por tempo indefinido. Com
toda a probabilidade, o resultado imediato será uma epidemia sem
precedentes de raiva e ansiedade.
Aqueles
que não puderem pagar pelos novos tratamentos milagrosos – a
grande maioria das pessoas – serão tomados por raiva. Ao longo da
história, os pobres e oprimidos encontraram conforto na ideia de que
pelo menos a morte é imparcial – os ricos e poderosos também
morrem. Os pobres não ficarão confortáveis com a ideia de que têm
de morrer, ao passo que os ricos continuarão jovens e bonitos para
sempre.
Mas
a ínfima minoria capaz de pagar pelos novos tratamentos também não
ficará eufórica. Terá motivos de sobra para se sentir apreensiva.
Embora as novas terapias possam prolongar a vida e a juventude, não
podem ressuscitar cadáveres. Que assustador pensar que eu e meus
entes queridos podemos viver para sempre, mas só se não formos
atingidos por um caminhão ou explodidos em pedacinhos por um
terrorista! É provável que as pessoas potencialmente amortais sejam
avessas a correr os menores riscos, e a agonia de perder um esposo,
filho ou amigo próximo será insuportável.
Yuval
Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade
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