terça-feira, 3 de abril de 2018

Candeia às avessas

Velha locução vulgar em Portugal e ainda viva no Brasil, valendo inimizar-se, desajustar-se, afastar-se do convívio de alguém, estar “de mau”.
D. Francisco Manuel de Meio empregou-a: “Ando de candeyas às avessas com a gente” – Visita das fontes. “Até com o próprio João da Mena... estou de candeas às avessas” – Hospital das letras. Testemunhos da segunda metade do século XVII.
Candeia, candea, é o círio, vela, e não a candeia usual, de folha de flandres, lamparina, pequena lâmpada portátil, de querosene, sobrevivente nos sertões.
Castro Lopes (Origem de anexins, 201) e João Ribeiro (Frases feitas, I, 189) deram interpretações. Para o primeiro originar-se-ia do latim Cum deis aversis, com os deuses contrários. Para o segundo, trazer candeia às avessas valia queimar as mãos.
As soluções não parecem lógicas para a imagem do desavindo, distante das amizades, “rompido”, desafeto.
No processo da Excomunhão Maior, lida a bula papal qua quis excluditur a communione fidelium, interdição pessoal do réu à qualquer comunicação cristã, o Legado Pontifício apagava o grande círio pascal, figurando a Fé, derribando-o por terra. Ficava a candeia ao inverso da posição normal e litúrgica, então acesa e na vertical. O excomungado estava na situação idêntica, moral e fisicamente ao contrário de todos os fiéis. De candeia às avessas.
Jean-Paul Laurens expôs em 1875 L’Excomunication de Robert le Pieux (Museu do Luxemburgo), fixando o trágico cerimonial.
Não creio ser outra a origem da locução.
Luís da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz

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