A
casa da velha senhora fica na encosta do morro, tão bem situada que
dali se aprecia o bairro inteiro, e o mar é uma de suas riquezas
visuais. Mas o terreno em volta da casa vive ao abandono. O
jardineiro despediu-se há tempos; hortelão, não se encontra nem
por milagre. A velha moradora resigna-se a ver crescer a tiririca na
propriedade que antes era um brinco. Até cobra começou a passear
entre a folhagem, com indolência; é uma cobrinha de nada, mas
sempre assusta.
O
verdureiro que faz ponto na rua lá embaixo ofereceu-se para matá-la.
A boa senhora reluta, mas não pode viver com uma cobra tomando banho
de sol junto ao portão, e a bicha é liquidada a pau. Bom rapaz, o
verdureiro, cheio de atenções para com os fregueses. Na ocasião,
um problema o preocupa: não tem onde guardar à noite a carrocinha
de verduras.
— Ora,
o senhor pode guardar aqui em casa. Lugar não falta.
— Muito
agradecido, mas vai incomodar a madame.
—
Incomoda não, meu filho. A carrocinha
passa a ser recolhida nos fundos do terreno. Todas as manhãs o dono
vem retirá-la, trazendo legumes frescos para a gentil senhora.
Cobra-lhe menos e até não cobra nada. Bons amigos.
—
Madame gosta de chá?
— Não
posso tomar, me dá dispepsia, me põe nervosa.
— Pois
eu sou doido por chá. Mas está tão caro que nem tenho coragem de
comprar. Posso fazer um pedido? Quem sabe se a madame, com esse
terreno todo sem aproveitar, não me deixa plantar uns pés,
pouquinha coisa, só para o meu consumo?
Claro
que deixa. Em poucas horas o quintal é capinado, tudo ganha outro
aspecto. Mão boa é a desse moço: o que ele planta é viço
imediato. A pequenina cultura de chá torna alegre outra vez a terra
abandonada. Não faz mal que a plantação se vá estendendo por toda
a área. A velha senhora sente prazer em ajudar o bom lavrador.
Alegando que precisa fazer exercício, caminhando com cautela pois
enxerga mal, ela rega as plantinhas, que lhe agradecem a atenção
prosperando rapidamente.
—
Madame sabe: minha intenção era colher
só uma pequena quantidade. Mas o chá saiu tão bom que os parentes
vivem me pedindo um pouco e eu não vou negar a eles. É pena madame
não experimentar. Mas não aconselho: se faz mal, não deve mesmo
tocar neste chá.
O
filho da velha senhora chegou da Europa esta noite. Lá ficou anos
estudando. Achou a mãe lépida, bem-disposta.
— E
eu trabalho, sabe, meu querido? Todos os dias rego a plantação de
chá que um moço me pediu licença para fazer no quintal. Amanhã de
manhã você vai ver a beleza que está.
O
verdureiro já havia saído com a carrocinha. A senhora estende o
braço, mostra com orgulho a lavoura que, pelo esforço em comum, é
também um pouco sua.
O
filho quase cai duro:
— A
senhora está maluca? Isso nunca foi chá, nem aqui nem na Índia.
Isso é maconha, mamãe!
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
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