Grande
era a intimidade de Martiniano com as horas derradeiras da noite.
Sabia esperar o dia com um ajuste perfeito entre sua alma e o tempo
liso da espera. Nesse ajuste se somavam ou colaboravam o fogo, o
mate, o fumo, o bem-estar do corpo descansado e são que dormira com
a mulher, o sereno encantamento de estar só e sentir-se acompanhado.
Naquela madrugada, contudo, uma impaciência nova substituía-se ao
gozo antigo e manso do amanhecer, e a aurora parecia retardar-se além
da conta. Quando, finalmente, ela chegou, quando Martiniano soube
– por cem signos, sem necessidade de olhar – que já clareara o
bastante, levantou-se, apagou o candeeiro e saiu do rancho. Deixou
trancado o cachorro, em cuja discrição não podia confiar.
Vastas
luzes já se adonavam do céu, mas ainda remanesciam massas de névoa
noturna, como querendo resistir ao rés do chão. O rancho ficava ao
pé de uma coxilha alta, quase na base da encosta que ascendia suave
e longamente. Martiniano, com passos receosos, detendo-se repetidas
vezes para observar as cercanias, deu uma volta completa ao redor
dele. Nada viu que justificasse a inquietação de Correntino e
seguiu caminhando até o forno de pão. O vento da noite morria pouco
a pouco, em sopros cansados. No lombo da coxilha, fragmentos de
névoas se afastavam uns dos outros, como a debandar sem pressa.
Estava nascendo o dia no céu, estava subindo a estrela d’alva como
um olho de cavalo assassinado, e as estrelas em pânico fugiam ou
naufragavam. E estava nascendo o dia também na terra, em torno de
Martiniano, com a algazarra dos passarinhos nas árvores, os mugidos
da vaca leiteira, as galinhas saltando dos galhos baixos do umbu e
dos beirais do galpãozinho. Martiniano esperava, sem saber o que
esperava, e foi então que ouviu o coro dos quero-queros.
Um
bando de quero-queros escandalizando o amanhecer não era coisa que
pudesse chamar a atenção de um gaúcho. Mas os sempiternos gritões
tinham vários estilos de gritar, e aquele bando invisível o fazia
de maneira excessivamente desaforada e unânime. Por certo era um
bando numeroso e os gritos vinham de cima da coxilha. Nessa direção
pôs a caminhar Martiniano e em seguida parou, vacilante, à escuta,
a meio caminho entre o palanque e o galpãozinho. Os quero-queros
gritavam com fúria, decerto voando baixo, na altura da cabeça de um
homem a cavalo. Martiniano retrocedeu sem dar-se conta e foi
postar-se junto ao bocal do poço, numa atitude coruja vigilante.
Mario
Arregui, in Cavalos do amanhecer
Nenhum comentário:
Postar um comentário