Viver
tem sido adiantar o serviço do dia seguinte. No domingo, já estamos
na segunda, na terça já estamos na quarta e sempre um dia a mais do
dia que deveríamos viver. Pelo excesso de antecedência, vamos
morrer um mês antes.
Está
na hora de encarar a folha branca da agenda e não escrever. O
costume é marcar o compromisso e depois adiar, que não deixa de ser
uma maneira de ainda cumpri-lo.
Tempo
é ternura.
Perder
tempo é a maior demonstração de afeto. A maior gentileza. Sair
daquele aproveitamento máximo de tarefas. Ler um livro para o filho
pequeno dormir. Arrumar as gavetas da escrivaninha de sua mulher
quando poderia estar fazendo suas coisas. Consertar os aparelhos da
cozinha, trocar as pilhas do controle remoto. Preparar um assado de
quarenta minutos. Usar pratos desnecessários, não economizar
esforço, não simplificar, não poupar trabalho, desperdiçar
simpatia.
Levar
uma manhã para alinhar os quadros, uma tarde para passar um paninho
nas capas dos livros e lembrar as obras que você ainda não leu.
Experimentar roupas antigas e não colocar nenhuma fora. Produzir
sentido da absoluta falta de lógica.
Tempo
é ternura.
O
tempo sempre foi algoz dos relacionamentos. Convencionou-se explicar
que a paixão é biológica, dura apenas dois anos e o resto da
convivência é comodismo.
Não
é verdade, amor não é intensidade que se extravia na duração.
Somente
descobriremos a intensidade se permitirmos durar. Se existe
disponibilidade para errar e repetir. Quem repete o erro logo se
apaixonará pelo defeito mais do que pelo acerto e buscará acertar o
erro mais do que confirmar o acerto. Pois errar duas vezes é
talento, acertar uma vez é sorte.
Acima
da obsessão de controlar a rotina e os próximos passos, improvisar
para permanecer ao lado da esposa. Interromper o que precisamos para
despertar novas necessidades.
Intensidade
é paciência, é capricho, é não abandonar algo porque não
funcionou. É começar a cuidar justamente porque não funcionou.
Casais
há mais de três décadas juntos perderam tempo. Criaram mais
chances do que os demais. Superaram preconceitos. Perdoaram medos.
Dobraram o orgulho ao longo das brigas. Dormiram antes de tomar uma
decisão.
Cederam
o que tinham de mais precioso: a chance de outras vidas. Dar uma vida
a alguém será sempre maior do que qualquer vida imaginada.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu deus, ai meu Jesus
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