segunda-feira, 26 de março de 2018

O morto chamado Rentería

Dom Pedro, voltei, porque não estou satisfeito comigo mesmo. Com prazer vou continuar cuidando de seus assuntos.
Disse isso sentado novamente no escritório de dom Pedro Páramo, onde havia estado não fazia nem meia hora.
Está bem, Gerardo. Aí estão os papéis, onde você deixou.
Eu também queria... Os gastos... A viagem... Um adiantamento mínimo de honorários... Algum extra, se o senhor houver por bem.
Quinhentos?
Não poderia ser um pouco, digamos, um pouquinho mais?
Você ficaria conformado com mil?
E se fossem cinco?
Cinco o quê? Cinco mil pesos? Não tenho. Você sabe muito bem que está tudo investido. Terras, animais. Você sabe disso. Leva os mil. Não acho que você precise de mais.
Ficou meditando. A cabeça caída. Ouvia o tilintar dos pesos sobre a escrivaninha onde Pedro Páramo contava o dinheiro. Lembrava-se de dom Lucas, que sempre ficou devendo seus honorários. De dom Pedro, que abriu conta nova. De seu filho Miguel: quanta dor de cabeça aquele rapaz tinha dado!
Livrou-o da cadeia pelo menos umas 15 vezes, se é que não foram mais. E o assassinato que cometeu com aquele homem, como era mesmo o nome?, Rentería, isso. O morto chamado Rentería, em cuja mão puseram uma pistola. O jeito que Miguelzinho estava assustado, embora depois caísse no riso. Só isso, quanto teria custado a dom Pedro se as coisas tivessem ido até lá, até a lei? E a questão das violações, nada? Quantas vezes ele teve que tirar do próprio bolso dinheiro para que elas enterrassem o assunto: “Fique bem e em paz que você vai ter um filhote branquelo!”, dizia a elas.
Aqui está, Gerardo. Cuida muito bem deles, porque não geram cria.
E ele, que ainda estava em suas cismas, respondeu:
Pois é, os mortos também não — e acrescentou: — Desgraçadamente.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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