Quando
Caubi veio de Pojuca, trazia na cabeça a decisão de casar com
Lucineia. Só não trouxe Lucineia consigo porque ele não é de
avançar sinal. Primeiro, vencer no Rio de Janeiro. Depois, chamar a
noiva e, unidos sacramentalmente, serem felizes para sempre.
Vencer
no Rio, para quem sai do Recôncavo Baiano, onde o petróleo
distribui riqueza global, mas que não chega para os pobres, até que
é simples. Emprego de porteiro em edifício da Zona Norte constitui
vitória digna de ser contada em carta aos que ficaram e não ousam.
A fraternidade dos porteiros baianos, igual à dos cearenses ou
paraibanos, não precisa de estatuto para funcionar: logo lhe
arranjou o cargo que dá direito a uniforme, cadeira à porta,
leitura descansada de jornal à tarde, além do mais gratificante de
todos os direitos: o de “assistir”, radinho de pilha ao ouvido,
aos gols do Flamengo no Maraca.
Mas
há vitória e vitória. Caubi verificou que o ordenado não dava
para chamar Lucineia e casar. Ou antes, daria, a longo prazo. A
solução era economizar cigarro, cafezinho, batida, jornal, até
pilha de radinho. E dar duro na lavagem de carros, pela madrugada.
Enquanto
isso, mulheres passavam diante dele, acenando-lhe com casamentos à
mão. Rapaz empregado, boa-pinta, que morena o recusaria? Mesmo sem
ser de papel passado. Ele, entretanto, resistia. Mulher carioca exige
coisas demais, desde geladeira a TV em cores, é um tal de
cabeleireiro, de festas, de não sei o quê, de dia e de noite, que
pega mal, e acaba, Deus sabe lá como acaba. Caubi passava a mão na
testa, alisava-a, determinado: “Comigo não, Serapião”.
Com
setecentos cruzeiros na Caixa Econômica, achou que era hora de agir.
Alugou um quarto em Queimados, por quarenta mensais, para o lar, e
mandou à noiva o dinheiro da passagem de ônibus. Viesse em
companhia de seu Severino, amigo da família e homem de respeito, que
mora na Ilha do Governador e estava de passeio em Pojuca: seria
padrinho do casório.
Lucineia
chegou com todos os pertences de uma noiva que se preza. Para
conhecer o Rio, antes de se instalar em casa de Padim Severino,
passou três dias de favor no apartamento de um casal amigo de Caubi,
no edifício em que este trabalha. Foram três dias de esplendor, de
ver vitrina e letreiro luminoso, de andar a pé e conhecer todas as
praças da Tijuca. O noivo arranjou folgas esparsas, para mostrar-lhe
o que é a cidade grande, nos limites do bairro.
Na
hora de ir para Governador, os táxis cobravam tanto que Caubi apelou
para o motorista do dr. Norberto, baiano também e boa-praça. O
rapaz topou levar a moça e seus badulaques no carro do patrão, que
que tem? à base de camaradagem.
Levou.
Mas não entregou. A meio caminho, a caminhonete que vinha na
contramão forçou-o a atirar contra o barranco o fusca do doutor. O
estrago não foi grande, mas o conserto da lataria ficava exatamente
em setecentos e cinquenta cruzeiros, e como o Caubi ia deixar o amigo
pagar a despesa, além do vexame de ter de explicar ao dr. Norberto?
— Eu
pago o prejuízo, taqui setecentas pratas, o resto dou no mês
que vem, amigo velho.
Lucineia,
que voltou de ônibus e machucada para o edifício, deixando no
asfalto metade de seus trecos, empregou-se de copeira em casa do dr.
Norberto. O quarto em Queimados foi desalugado, e o casamento adiado
para quando Caubi juntar, não setecentos, mas mil e quatrocentos
cruzeiros, a julgar pela taxa de inflação. Desistir de casar com
moça de Pojuca ele não desiste, nem que seja preciso, para tão
longo amor, passar mais longa vida lavando carros de madrugada. Mas
um temor começa a roê-lo, qual bicho em goiaba: se Lucineia, com o
tempo, virar moça carioca, que exige tudo, e o casamento acabar,
Deus sabe lá, daquele jeito?
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
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