Imagem: Andreas Kay
José
Américo de Almeida (A bagaceira, Paraíba, 1928) foi o
primeiro a registrar a ojeriza feminina contra uma leguminosa
rasteira, vivendo à margem da estrada. “As lavadeiras deitavam a
trouxa no chão para arrancá-las ou a espezinhavam furtivamente.”
Até poucos anos as mulheres do povo, mesmo carregando água, lenha,
voltando com o cesto de frutas tiradas nos matos, detinham-se para
destruírem essa plantinha humilde, denominada espia-caminho.
Foi
uma complicação para identificar e outra maior para obter a
classificação regular. Getúlio César, um mestre do folclore de
Pernambuco, matou a questão. Trata-se de uma leguminosa papilonácea,
gênero Clitoria, Clitoria cajanifolia, Clitoria guyenensis.
Escreve-me Getúlio César: “Cresce um metro ou menos, sem
espinhos. Prefere as margens dos caminhos porque é um vegetal
exigente; só nasce em terra boa, e as margens dos caminhos são
ricos pela poeira, restos de comida, urina e fezes deixadas pelos
viandantes e animais. É também conhecida por erva mijona e
cascavel, devido às suas vagens, quando secas, terem, quando
balançadas, as estridências do guizo da cobra cascavel. A forma das
suas flores é que guarda uma modalidade interessante. Apresenta-se
como uma boceta feminina, completamente aberta, e uma, de flores
escuras e grandes, rara, é chamada boceta-de-negra. As
pétalas formam os grandes lábios e, no centro, os estames e
androceu, guardados pela carena, que os envolve, dá a parecença de
um clitóris; daí o seu gênero clitória. Essa é a razão de as
mulheres embirrarem com essa flor. Não é uma superstição. Elas
arrancam ou destroem as flores do espia-caminho por julgarem-na
imoral. Ouvi de uma camponesa que comigo trabalhava, quando passamos
por um renque de espia-caminho: ‘Que fulô mais sem-vergonha! O
diabo só nasce nos camin só prá se mostrá, mostrá a sua
imoralidade!..”’.
Presentemente
a espia-caminho não irrita mais ninguém. Coexistência…
Luís
da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz
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