sexta-feira, 30 de março de 2018

Gencianáceas


Dizem que não há afrodisíaco melhor do que amendoim, mas com casca. Você espana as cascas do colo dela, ela espana as cascas do seu colo, e em pouco tempo vocês não precisarão mais do pretexto das cascas. Outros afrodisíacos, no entanto, precisam ser ingeridos, e sobre estes existe uma vasta literatura — quase toda ela em francês, claro.
Mme. de Maintenon mandava fazer costeletas de vitela com anchovas, basílico doce, cravo, coentro e conhaque para animar Luís XIV. Não se sabe o resultado que elas produziam no rei, mas o prato Côtelettes de veau à la Maintenon é famoso até hoje, um exemplo de efeito colateral histórico. Já Mme. Du Barry fazia fé em suflês de gengibre para manter o interesse de seu amante real, Luís XV. Dizia que ele nunca desandava. O suflê, não o rei. Alcachofras eram consideradas afrodisíacas. E o escritor Hector Dirssot preparava-se para noites de loucura na alcova comendo enguias com trufas, enroladas em papel amanteigado, assadas na brasa e servidas sobre um ragu de siri apimentado, e que só tinham o efeito desejado se acompanhadas por um bom vinho Sauternes. Não se conhece qualquer depoimento de uma parceira do escritor sobre a eficiência da receita. Pela sua descrição, desconfia-se que muitas vezes Dirssot recorria ao prato não para assegurar o sexo, mas para substituí-lo.
As trufas brancas da região do Piemonte já foram consideradas infalíveis, e ficavam ainda mais estimulantes se preparadas com fígado de ganso e um pouco de vinho branco. Brillat-Savarin escreveu que uma determinada senhora francesa quase sucumbiu ao assédio de um jovem gourmet que lhe propunha servir aves com trufas de Perigueux em troca de amor, e sua admiração era menos pela sólida virtude da dama do que pela sua resistência, decididamente inexplicável. Brillat-Savarin insinua que o pretendente insistiu e a dama resistiu até ele oferecer trufas de Perigueux inteiras assadas na cinza, porque aí também já seria desumano.
Todas estas receitas — tiradas, por sinal, de um livro de George Lang chamado Compêndio de bobagens e “trivia” culinárias — ficavam melhores e mais poderosas se acompanhadas de um “Vin de Gentiane”, ou vinho de genciana, assim preparado: rale-se uma raiz de genciana e deixe-a de molho no conhaque por um dia. Acrescente-se vinho Bordeaux, filtre-se tudo por uma peneira fina e deixe-se num receptáculo lacrado por oito dias. Não abrir perto das crianças.

* * *
Você já ouviu falar de vinho de genciana?
Não. Por quê?
Eu estava lendo que parece que genciana é afrodisíaco.
Eu nem sei o que é isso.
Afrodisíaco?
Não. Genciana.
Nem eu. Vamos ver no dicionário?
Depois:
Senta aqui do meu lado. Assim a gente vê juntos.
Tá.
Deixa ver. Gê, gê, gê... “Genioso”, “genista”, “genital”...
Quando você era pequeno, não procurava nome feio no dicionário?
Procurava! Me lembro quando eu descobri que no dicionário tinha “bunda”. Foi uma sensação. Depois procurei todos os sinônimos de “bunda” que conhecia.
Eu fui logo procurar o, você sabe. Pênis.
E todos os seus apelidos.
Como a gente era boba, né?
— “Genitália”... “genitivo”... Espera aí, estou olhando na página errada. “Genciana”... “genciana”... Está aqui! “Genciana”. Hmm... “Planta da família das gencianáceas”…
Qual é a família?
Gencianáceas. Por quê, você conhece?
Não, não. Foi a maneira como você disse. Achei...
O quê?
Bonitinho. “Gencianáceas”...
Deixa eu guardar o dicionário que eu já volto.
Depois:
Você não quer uns amendoins?

* * *
Hoje, com a química, toda esta literatura ficou ainda mais antiga. Trufas, enguias, ostras, raiz de genciana, casca de amendoim no colo, tudo foi substituído por uma pílula. É verdade que alguns dos recursos a que o homem recorria no passado, como chifre de rinoceronte pulverizado, não fazem falta. Mas a humanidade perdeu alguma coisa quando perdeu o risco de morrer de congestão durante o ato sexual, depois de se empanturrar para garantir que ele seria bom. Diminuiu-se a nossa aventura sobre a Terra. E fico pensando naquele ragu de siri…
Luís Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo

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