Dizem
que não há afrodisíaco melhor do que amendoim, mas com casca. Você
espana as cascas do colo dela, ela espana as cascas do seu colo, e em
pouco tempo vocês não precisarão mais do pretexto das cascas.
Outros afrodisíacos, no entanto, precisam ser ingeridos, e sobre
estes existe uma vasta literatura — quase toda ela em francês,
claro.
Mme.
de Maintenon mandava fazer costeletas de vitela com anchovas,
basílico doce, cravo, coentro e conhaque para animar Luís XIV. Não
se sabe o resultado que elas produziam no rei, mas o prato Côtelettes
de veau à la Maintenon é famoso até hoje, um exemplo de efeito
colateral histórico. Já Mme. Du Barry fazia fé em suflês de
gengibre para manter o interesse de seu amante real, Luís XV. Dizia
que ele nunca desandava. O suflê, não o rei. Alcachofras eram
consideradas afrodisíacas. E o escritor Hector Dirssot preparava-se
para noites de loucura na alcova comendo enguias com trufas,
enroladas em papel amanteigado, assadas na brasa e servidas sobre um
ragu de siri apimentado, e que só tinham o efeito desejado se
acompanhadas por um bom vinho Sauternes. Não se conhece qualquer
depoimento de uma parceira do escritor sobre a eficiência da
receita. Pela sua descrição, desconfia-se que muitas vezes Dirssot
recorria ao prato não para assegurar o sexo, mas para substituí-lo.
As
trufas brancas da região do Piemonte já foram consideradas
infalíveis, e ficavam ainda mais estimulantes se preparadas com
fígado de ganso e um pouco de vinho branco. Brillat-Savarin escreveu
que uma determinada senhora francesa quase sucumbiu ao assédio de um
jovem gourmet que lhe propunha servir aves com trufas de Perigueux em
troca de amor, e sua admiração era menos pela sólida virtude da
dama do que pela sua resistência, decididamente inexplicável.
Brillat-Savarin insinua que o pretendente insistiu e a dama resistiu
até ele oferecer trufas de Perigueux inteiras assadas na cinza,
porque aí também já seria desumano.
Todas
estas receitas — tiradas, por sinal, de um livro de George Lang
chamado Compêndio de bobagens e “trivia” culinárias —
ficavam melhores e mais poderosas se acompanhadas de um “Vin de
Gentiane”, ou vinho de genciana, assim preparado: rale-se uma raiz
de genciana e deixe-a de molho no conhaque por um dia. Acrescente-se
vinho Bordeaux, filtre-se tudo por uma peneira fina e deixe-se num
receptáculo lacrado por oito dias. Não abrir perto das crianças.
*
* *
— Você
já ouviu falar de vinho de genciana?
— Não.
Por quê?
— Eu
estava lendo que parece que genciana é afrodisíaco.
— Eu
nem sei o que é isso.
—
Afrodisíaco?
— Não.
Genciana.
— Nem
eu. Vamos ver no dicionário?
Depois:
— Senta
aqui do meu lado. Assim a gente vê juntos.
— Tá.
— Deixa
ver. Gê, gê, gê... “Genioso”, “genista”, “genital”...
—
Quando você era pequeno, não procurava
nome feio no dicionário?
—
Procurava! Me lembro quando eu descobri
que no dicionário tinha “bunda”. Foi uma sensação. Depois
procurei todos os sinônimos de “bunda” que conhecia.
— Eu
fui logo procurar o, você sabe. Pênis.
— E
todos os seus apelidos.
— Como
a gente era boba, né?
—
“Genitália”... “genitivo”...
Espera aí, estou olhando na página errada. “Genciana”...
“genciana”... Está aqui! “Genciana”. Hmm... “Planta da
família das gencianáceas”…
— Qual
é a família?
—
Gencianáceas. Por quê, você conhece?
— Não,
não. Foi a maneira como você disse. Achei...
— O
quê?
—
Bonitinho. “Gencianáceas”...
— Deixa
eu guardar o dicionário que eu já volto.
Depois:
— Você
não quer uns amendoins?
*
* *
Hoje,
com a química, toda esta literatura ficou ainda mais antiga. Trufas,
enguias, ostras, raiz de genciana, casca de amendoim no colo, tudo
foi substituído por uma pílula. É verdade que alguns dos recursos
a que o homem recorria no passado, como chifre de rinoceronte
pulverizado, não fazem falta. Mas a humanidade perdeu alguma coisa
quando perdeu o risco de morrer de congestão durante o ato sexual,
depois de se empanturrar para garantir que ele seria bom. Diminuiu-se
a nossa aventura sobre a Terra. E fico pensando naquele ragu de siri…
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor veríssimo
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