O
povo denomina estórias de Trancoso aos contos tradicionais, o
documentário mais rico de nossa literatura oral. Trancoso, Gonçalo
Fernandes Trancoso, é o autor da primeira coleção de estórias
populares em Portugal, Contos e histórias de proveito e exemplo,
primeira e segunda partes publicadas em Lisboa por Marcos Borges,
1585, a outra edição em 1589, por João Álvares. Houve uma
terceira parte, inédita, divulgada em 1596, por seu filho, Simão
Lopes. As três partes, constituindo um só volume, apareceram em
1646, pelo impressor Antônio Alves, com várias reedições nos
séculos XVII e XVIII. Em 1921 o Prof. Agostinho de Campos deu uma
seleção antológica. São trinta e oito estórias, adaptadas de
novelistas italianos e muitas de fonte popular. Trancoso era
professor. A popularidade determinou dizer o conto popular estórias
de Trancoso, numa generalização consagradora.
A
primeira citação no Brasil encontra-se no Diálogos das
grandezas do Brasil, III, 1618, onde Alviano diz: “Isto
parece-me dos contos do Trancoso e, como tal, não me persuado a
dar-lhe crédito”. Não há, entretanto, nenhum elemento
sobrenatural no volume. Muitas estórias estão vivas e sabidas no
Brasil. Menéndez y Pelayo escreveu o melhor estudo sobre Trancoso
(Origenes de la novela), a quem seus patrícios devem uma
edição crítica. Por que estória e não história?
João Ribeiro aconselhara-a em 1919, mas ficou escrevendo História.
Propusemos a grafia em 1941, na Sociedade Brasileira de Folclore,
usando-a sem solução de continuidade a partir do ano seguinte.
Gustavo Barroso (A Manhã, Rio de Janeiro, 22 de novembro de
1942), comentando os estatutos daquela sociedade, elogiou a
iniciativa numa brilhante exposição. Fundamentava-se, sem maior
aparato erudito, na distinção imediata e visual entre a História,
documentada, verídica, oficial, e o conto popular, como os ingleses
têm history e story, podendo entitular uma History
of a folk story, como fez Gordon Hall Gerould. História do
Brasil. Estória de Trancoso. Vinte e dois anos depois, estória
é corrente e comum no Brasil, nos títulos de livros e noticiário
de imprensa. Fiquei compensado dos protestos e críticas quando
comecei a estória em 1942. Já apareceram, naturalmente, vários
pais da criança que a ignoravam nas décadas iniciais, mas
estão encantados, vendo-a recepcionada e airosa.
Luís
da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz
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