domingo, 4 de março de 2018

Do louco e do sábio

Voltemos à feliz espécie dos loucos. Passada a vida alegremente, sem medo ou pressentimento da morte, emigram diretamente para os Campos Elísios e vão deleitar com as suas facécias as almas ociosas e pias. Comparai agora ao destino do louco o de um sábio a vossa escolha. Citai-me um modelo de sabedoria que tenha gasto a sua infância e a juventude no estudo das ciências e que tenha perdido o mais belo tempo da sua vida em vigílias, cuidados e trabalhos sem fim e que se tenha privado, para o resto da sua vida, de todos os prazeres. Vereis que foi sempre pobre, miserável, triste, tétrico, severo e duro para consigo mesmo, insuportável e desagradável para com os outros, pálido, magro, servil, envelhecido antes do tempo, calvo antes da velhice, votado a uma morte prematura. Que importa, aliás, que morra, se nunca chegou a viver! Tal é o belo retrato deste sábio.
Erasmo de Roterdan, in Elogio da loucura

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