domingo, 4 de março de 2018

A costa a sotavento


Alguns capítulos atrás, falei de um certo Bulkington, um marujo alto, recém-desembarcado, que encontrei na estalagem em New Bedford.
Naquela noite glacial de inverno, quando o Pequod empenhou sua proa vingativa contra as ondas frias e maliciosas, quem encontrei ao leme, senão Bulkington! Foi com uma admiração respeitosa e com receio que observei aquele homem, que no meio do inverno, recém-chegado de uma perigosa viagem de quatro anos, conseguia partir de novo, sem descanso, para mais uma aventura tempestuosa. A terra devia lhe queimar sob os pés. As coisas mais maravilhosas são sempre as indizíveis; as memórias mais profundas não concedem epitáfios; este capítulo de seis polegadas é o túmulo sem lápide de Bulkington. Quero dizer apenas que a ele acontecia o mesmo que ao navio atingido pela tempestade, que se arrasta miseravelmente ao longo da costa a sotavento. O porto teria lhe dado socorro; o porto é piedoso; no porto encontra-se segurança, consolo, um lar, uma ceia, cobertores quentes, amigos, tudo que é bom para o gênero humano. Mas, em meio à tempestade, o porto e a terra representam o maior perigo para esse mesmo navio; deve evitar toda hospitalidade; um toque, ainda que fosse um toque leve na quilha, o partiria em dois. Com todo seu poder, ele estende as velas todas para se afastar da costa; ao fazê-lo, luta contra os mesmos ventos que procuram levá-lo para terra; procura a ausência de terra do mar revolto; para se salvar atira-se desesperadamente ao perigo; seu único amigo é seu pior inimigo!
Entendeu agora, Bulkington? Parece que você vislumbra a verdade intolerável aos mortais: que todo pensamento profundo e sério é apenas um esforço intrépido da alma para manter a independência de seu mar aberto; enquanto os ventos mais fortes do céu e da terra conspiram para arrastá-la para a costa traiçoeira e servil.
Mas como na ausência de terra reside a suprema verdade, sem praias, indefinida como Deus – assim, é melhor sucumbir no infinito tempestuoso do que ser vergonhosamente levado a sotavento, mesmo que isso represente a salvação! Porque, oh! quem gostaria de rastejar como um verme na terra? Terror do terrível! Será vã toda esta agonia? Coragem, ó, Bulkington, coragem! Sê inflexível, semideus! Dos borrifos da tua morte no mar – sempre acima, ergue-se a tua apoteose.
Herman Melville, in Moby Dick

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