segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Ocê agora tá um homem, mesmo, Al

O pai contornava o veículo, olhando-o e tornando a olhá-lo, e depois sentou-se no chão, na poeira, e procurou um graveto para desenhar garatujas. Tinha um dos pés firmes no chão e o outro descansava sobre o calcanhar, de maneira que um dos joelhos ficava mais alto que o outro. O antebraço esquerdo repousava no joelho esquerdo, que ficava mais baixo; o antebraço direito estava apoiado no joelho direito, mais alto, e no punho direito apoiava o queixo. Assim se deixou ficar, olhando para o caminhão. E o tio John aproximou-se dele devagarinho e acocorou-se ao seu lado. Os olhos de ambos estavam pensativos. O avô saiu da casa e viu ambos ali acocorados; dirigiu-se mancando ao caminhão e sentou-se no estribo, defronte deles. Estava formada a sessão. Tom, Connie e Noah vieram juntos e também se acocoraram, formando todos um semicírculo, em cuja abertura estava o avô sentado. Depois, a mãe também veio de dentro da casa, e a avó estava com ela, e atrás vinha Rosa de Sharon, andando com passinhos curtos, cuidadosos. Tomaram lugar atrás dos homens acocorados; ficaram de pé, com as mãos nas cadeiras. E as crianças, Ruthie e Winfield, apoiavam-se num e noutro pé diante delas; mergulhavam os dedos dos pés na poeira vermelha, mas não emitiam som algum. Somente o pregador não se encontrava presente. Ele ficara nos fundos da casa, sentado no chão, por delicadeza. Era um bom pregador, e conhecia a sua gente.
Tornara-se mais branda a luz da tarde, e por alguns instantes a família esteve calada. Depois, o pai, sem se dirigir a ninguém em especial, mas ao grupo todo, fez o seu relatório.
A gente foi danadamente embrulhado com a venda desses troços. Aquele bandido sabia que a gente tinha que vender, que não podia esperar. Arranjamo dezoito dólares por tudo.
A mãe esboçou um gesto de indignação, mas manteve-se calada.
Noah, o filho mais velho, perguntou:
Quanto dinheiro a gente tem, tudo reunido?
O pai desenhou garatujas na poeira e murmurou para si mesmo algo ininteligível.
Cento e cinquenta e quatro — disse. — Mas o Al diss’que a gente tem que comprar pneus melhores. Ele acha que esses aqui não aguentam muito tempo.
Essa era a primeira conferência em que Al tomava parte. Antes, ele ficava sempre atrás, junto com as mulheres. E assim a sua informação se revestiu de solenidade:
Essa geringonça que a gente tem é velha e bem ordinária — disse com gravidade. — Examinei ela antes da gente comprá-la. Nem prestei atenção ao sujeito que dizia que era um veículo bom, perfeito. Meti o dedo no diferencial e não tinha limalha nele. Também não tinha limalha na engrenagem. Experimentei o engate e girei as rodas. Também me meti por baixo e verifiquei bem o caminhão, e o cárter tava em ordem. Na bateria tinha uma pilha partida, mas obriguei o sujeito a substituir por outra. Os pneus não prestam é claro, mas são de bom tamanho. Pode-se encontrar substitutos em qualquer parte. Vai balançar que nem um barco, mas não gasta óleo à toa. Comprei ele porque era um caminhão bom pra bater nessas estradas. Os cemitérios de automóvel tão cheios de Hudson-Super-Sixes, e a gente pode comprar peças baratas. Pelo dinheiro, podia-se comprar um carro maior e mais bonito, mas depois as peças seriam mais difícil de arranjar e mais caras. Por isso, eu pensei: o melhor é a gente comprar esse mesmo. — Esta última observação era a sua submissão à autoridade da família. Ficou calado, à espera da opinião dos mais velhos.
O avô ainda era o cabeça da família, mas não tinha mais voz ativa. Era uma posição honorária, mais uma forma de obedecer à tradição. Porém, ele tinha o hábito de manifestar-se primeiro, por mais caduco que já estivesse. E os homens acocorados e as mulheres de pé estavam à espera de que ele falasse.
Cê disse bem, Al — falou o avô. — Eu também já fui um menino farrista e brincalhão como ocê, mas quando se tratava de alguma coisa séria, eu sabia ser sério. Ocê agora tá um homem, mesmo, Al. Muito bem. — E o velho encerrou num tom de quem abençoava, e Al corou de satisfação.
O pai disse:
Também me parece que foi bem resolvida esta história do carro. Se se tratasse de cavalos, a gente não precisava ouvir o Al, mas de automóvel e caminhão só ele entende.
Tom disse:
Eu também entendo um pouco. Trabalhei com carros em McAlester. O Al tem razão. Arranjou um bom caminhão. — Al agora estava todo vermelho de prazer. Tom continuou: — Eu queria dizer ainda... bem, o reverendo... ele quer vir com a gente. — Ficou calado. Suas palavras caíram no meio dos homens e das mulheres, e todo o grupo permaneceu calado. — Ele é um bom sujeito — acrescentou Tom. — A gente conhece ele faz tempo já. Às vezes fala um pouco demais, mas só diz coisas inteligentes. — E com isso estava apresentada a proposta à família.
John Steinbeck, in As vinhas da ira

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