segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A exploração de Marte

Marina, do laboratório.
Marina! Não reconheci você sem...
Sem roupa?
Trabalhavam juntos. Viam-se todos os dias. Mas de compridos jalecos brancos. E agora ali estavam, ele de sunga, ela de biquíni. Era estranho. Davam-se bem, no trabalho. Até se poderia dizer que tinham ultrapassado a fase de apenas colegas e a de apenas amigos e se encaminhavam para outra fase, ainda indefinida. Ou, como Marina disse para uma amiga: “Já pintou, mas ainda não rolou.” Encontrando-se assim, por acaso, na praia, tinham de certa forma queimado etapas. Do jaleco comprido direto para a seminudez, sem fases intermediárias!
Ele já a imaginara nua, claro. E vice-versa. O que haveria embaixo do jaleco que cobria todo o corpo? Normalmente, o processo de descobrimento levaria tempo. Um pouco como a exploração de Marte: primeiro tinham que desenvolver um foguete, depois construir um robô, depois colocar o robô na superfície de Marte, depois esperar que o robô começasse a mandar fotos do que havia sob o jaleco de Marte para analisá-las com cuidado. Aquilo era uma sombra ou uma cratera? E aquilo, seriam pegadas? Um longo processo, uma lenta conquista. Assim, tinham, subitamente, toda a informação que queriam da superfície um do outro. Sem ter que esperar, sem merecer. Era estranho. Não parecia natural. Dois seminus não conversam como dois de jaleco comprido.
Examinaram-se.
Ele: “Nada mau. Grandes seios, quem diria. Barriguinha, mas no limite do aceitável. Meu Deus, aquilo é uma tatuagem?”
Ela: “Podia ser pior. Pernas finas, mas tudo bem. Iih, ele viu a tatuagem.”
Ele: “O que significa uma tatuagem ali? Nada, todas têm tatuagem, hoje em dia. Mesmo as patologistas. Mas ali? Parte de dentro da coxa? Perigo. Perigo.”
Ela: “Ele vai dizer alguma coisa sobre a tatuagem? Eu deveria dizer? É brincadeira, sai lavando. Não. Melhor ficar quieta. Melhor dizer alguma coisa.”
Você vem sempre aqui?
Não, não. Primeira vez. Você?
Eu venho sempre, no verão. Quando você falou que também ia tirar férias, não imaginei que...
Pois é, decidi em cima da hora. Legal, aqui, né?
É.
E pronto. Não conversaram mais, não combinaram de se ver depois, um não perguntou quanto tempo o outro ia ficar. Afastaram-se e ele nem se virou para examiná-la por trás. Era melhor só voltarem a se encontrar no laboratório. Como se nada tivesse acontecido. Como se nada tivesse sido visto. Recomeçar a amizade de jaleco comprido e deixar que o que fosse acontecer acontecesse normalmente. Na exploração de Marte também é assim: tem que ser por etapas. Ninguém deve se precipitar. Para não haver o risco de um desastre. Ou de confundirem uma rocha com uma tartaruga.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo

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