—
Marina, do laboratório.
—
Marina! Não reconheci você sem...
— Sem
roupa?
Trabalhavam
juntos. Viam-se todos os dias. Mas de compridos jalecos brancos. E
agora ali estavam, ele de sunga, ela de biquíni. Era estranho.
Davam-se bem, no trabalho. Até se poderia dizer que tinham
ultrapassado a fase de apenas colegas e a de apenas amigos e se
encaminhavam para outra fase, ainda indefinida. Ou, como Marina disse
para uma amiga: “Já pintou, mas ainda não rolou.”
Encontrando-se assim, por acaso, na praia, tinham de certa forma
queimado etapas. Do jaleco comprido direto para a seminudez, sem
fases intermediárias!
Ele
já a imaginara nua, claro. E vice-versa. O que haveria embaixo do
jaleco que cobria todo o corpo? Normalmente, o processo de
descobrimento levaria tempo. Um pouco como a exploração de Marte:
primeiro tinham que desenvolver um foguete, depois construir um robô,
depois colocar o robô na superfície de Marte, depois esperar que o
robô começasse a mandar fotos do que havia sob o jaleco de Marte
para analisá-las com cuidado. Aquilo era uma sombra ou uma cratera?
E aquilo, seriam pegadas? Um longo processo, uma lenta conquista.
Assim, tinham, subitamente, toda a informação que queriam da
superfície um do outro. Sem ter que esperar, sem merecer. Era
estranho. Não parecia natural. Dois seminus não conversam como dois
de jaleco comprido.
Examinaram-se.
Ele:
“Nada mau. Grandes seios, quem diria. Barriguinha, mas no limite do
aceitável. Meu Deus, aquilo é uma tatuagem?”
Ela:
“Podia ser pior. Pernas finas, mas tudo bem. Iih, ele viu a
tatuagem.”
Ele:
“O que significa uma tatuagem ali? Nada, todas têm tatuagem, hoje
em dia. Mesmo as patologistas. Mas ali? Parte de dentro da coxa?
Perigo. Perigo.”
Ela:
“Ele vai dizer alguma coisa sobre a tatuagem? Eu deveria dizer? É
brincadeira, sai lavando. Não. Melhor ficar quieta. Melhor dizer
alguma coisa.”
— Você
vem sempre aqui?
— Não,
não. Primeira vez. Você?
— Eu
venho sempre, no verão. Quando você falou que também ia tirar
férias, não imaginei que...
— Pois
é, decidi em cima da hora. Legal, aqui, né?
— É.
E
pronto. Não conversaram mais, não combinaram de se ver depois, um
não perguntou quanto tempo o outro ia ficar. Afastaram-se e ele nem
se virou para examiná-la por trás. Era melhor só voltarem a se
encontrar no laboratório. Como se nada tivesse acontecido. Como se
nada tivesse sido visto. Recomeçar a amizade de jaleco comprido e
deixar que o que fosse acontecer acontecesse normalmente. Na
exploração de Marte também é assim: tem que ser por etapas.
Ninguém deve se precipitar. Para não haver o risco de um desastre.
Ou de confundirem uma rocha com uma tartaruga.
Luís
Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo
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