Lar
de solteiro não significa que estará desarrumado, com pilha de
louça para lavar e parte das lâmpadas queimadas. O que diferencia o
apartamento de alguém que vive sozinho do espaço de casais e de
agrupamentos familiares são os sachês da geladeira. Centenas de
sachês de mostarda e catchup ocupando as fôrmas dos ovos.
É
que nem a praga do requeijão: nunca percebemos o início da doença,
são tantos potes misturados aos copos, que a cristaleira deveria ser
renomeada de estande de frios.
O
sachê é a multiplicação da miséria. Não há modo de enriquecer
após sua passagem, levará qualquer um para a falência ou às
barrinhas de cereais.
Ele
não tem a humildade de um visitante. Já chega como um movimento
armado, uma passeata, uma calcutá de sósias. Tanto que duvide de
sachê desacompanhado, não existe isso, chame o batalhão de
operações especiais, trata-se de uma bomba.
Em
primeiro lugar, porque a quantidade de cada bisnaga é ridícula; é
necessária uma dúzia para cobrir dois reles pedaços de pizza. Em
segundo, não há como abrir a embalagem, a linha pontilhada é uma
ironia. O biquinho fechado incita a truculência de um torturador —
dependemos de várias opções para salvar a metade do conteúdo de
uma. E não é prático, sempre nos lambuzaremos ou sujaremos a
roupa.
Sachê
é uma droga que vicia. Rapidamente o usuário se transforma em
traficante. Surgem dentro dos pedidos de tele-entrega e espalham seus
tentáculos de alumínio plastificado pela cozinha.
Para
evitar a decadência, aconselho a jogar fora o que não foi usado no
almoço e na janta. Nunca guarde. Ao preservar um exemplar, terá a
infeliz iniciativa de economizar com os pacotinhos. Pensará que não
precisa comprar alguns mantimentos, diminuirá a lista do mercado, e
partirá para caçar saquinhos de azeite, vinagre e shoyu nos
restaurantes.
Acabou
a paz. Você não vai parar de colher envelopes das cestinhas das
mesas. Os amigos irão se envergonhar de sua companhia. Você
assumirá uma condição compulsiva, de colecionador histérico, com
os bolsos forrados e as bolsas transbordando. Não terá mais vida
social quando desfalcar o sal do cinema e o açúcar dos cafés, e
não poupar sequer o adoçante.
Só
o impacto de um casamento poderá salvar o sujeito. Só o amor para
regenerar um cleptomaníaco de amostras grátis.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
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