Isto,
sabe o senhor por que eu tinha ido lá daqueles lados? De mim, conto.
Como é que se pode gostar do verdadeiro no falso? Amizade com ilusão
de desilusão. Vida muito esponjosa. Eu passava fácil, mas tinha
sonhos, que me afadigavam. Dos de que a gente acorda devagar. O amor?
Pássaro que põe ovos de ferro. Pior foi quando peguei a levar cruas
minhas noites, sem poder sono. Diadorim era aquela estreita pessoa ―
não dava de transparecer o que cismava profundo, nem o que presumia.
Acho que eu também era assim. Dele eu queria saber? Só se queria e
não queria. Nem para se definir calado, em si, um assunto contrário
absurdo não concede seguimento. Voltei para os frios da razão.
Agora, destino da gente, o senhor veja: eu trouxe a pedra de topázio
para dar a Diadorim; ficou sendo para Otacília, por mimo; e hoje ela
se possui é em mão de minha mulher!
Ou
conto mal? Reconto.
Ao
que nós acampados em pé duns brejos, brejal, cabo de várzea. Até,
lá era favorável de defender que os cavalos se espairassem ― por
ter manga natural, onde se encostar, e currais falsos, de pegar gado
brabeza. Natureza bonita, o capim macio. Me revejo, de tudo,
daquele dia a dia. Diadorim restava um tempo com uma cabaça nas duas
mãos, eu olhava para ela. Seja por ser, Riobaldo, que em breve
rompemos adiante. Desta vez, a gente tange guerra... ― pronunciou,
a prazer, como sempre quando assim, em véspera. Mas balançou a
cabaça: tinha um trem dentro, um ferro, o que me deu desgosto; taco
de ferro, sem serventia, só para produzir gastura na gente. ― Bota
isso fora, Diadorim! ― eu disse. Ele não contestou, e me olhou de
um hesitado jeito, que se eu tivesse falado causa impossível. Em
tal, guardou o pedaço de ferro na algibeira. E ficava toda-a-vida
com a cabaça nas mãos, era uma cabaça baiana fabricada, desenhada
de capricho, mas que agora sendo para nôjo. E, como me deu sede, eu
peguei meu copo de corno lavrado, que não quebra nunca, e fomos
apanhar água num poço, que ele me disse. Era por esconso por uma
palmeira ― duma de nome que não sei, de curta altura, mas
regrossa, e com cheias palmas, reviradas para cima e depois para
baixo, até pousar no chão com as pontas. Todas as palmas tão
lisas, tão juntas, fechavam um coberto, remedando choupã de índio.
Assino que foi de avistarem umas assim que os bugres acharam ideia de
formar suas tocas. Aí a gente se curvar, suspendia uma folhagem, lá
entrava. O poço abria redondo, quase, ou ovalado. Como no recesso do
mato, ali intrim, toda luz verdeja. Mas a água, mesma, azul, dum
azul que haja ― que roxo logo mudava. A vai, coração meu foi
forte. Sofismei! se Diadorim segurasse em mim com os olhos, me
declarasse as todas as palavras? Reajo que repelia. Eu? Asco!
Diadorim parava normal, estacado, observando tudo sem importância.
Nem provia segredo. E eu tive decepção de logro, por conta desse
sensato silêncio? Debrucei, ia catar água. Mas, qual, se viu um
bicho ― rã brusca, feiosa! botando bolhas, que à lisa cacheavam.
Resumo que nós dois, sob num tempo, demos para trás, discordes.
Diadorim desconversou, e se sumiu, por lá, por aí, consoante a
esquisitice dele, de sempre às vezes desaparecer e tornar a
aparecer, sem menos. Ah, quem faz isso não é por ser e se saber
pessoa culpada?
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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