terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Uma leve brisa


Quando a Amanda começou a frequentar o bar da turma, levada pelo Anselmo, só notaram a sua beleza. Ela era linda. Olhos claros, nariz perfeito... Aos poucos foram descobrindo suas outras virtudes. Principalmente os homens.
Além de bonita, simpática.
E simples.
Mas não é burra.
Nada. Tem conteúdo.
E covinhas.
O quê? — Vocês não notaram? Duas covinhas. Quando ela sorri.
E que sorriso!
Que dentes!
E os cabelos?
Ó, Anselmo, de onde você descolou essa mulher?
O Anselmo contou que a tinha conhecido na academia. Além de tudo, era esportiva. Não, não sabia o que ela fazia. Pesquisa antropológica, análise de sistemas, qualquer coisa assim. Não tinha os detalhes.
As mulheres não estavam gostando de toda aquela atenção com a Amanda, mas não podiam protestar. Porque os homens tinham razão. A Amanda era fora do comum. E, segundo reconheceu a Michelle, a contragosto, “querida”.
Mas foi a Michelle quem notou pela primeira vez.
Vocês notaram que os cabelos dela se mexem com o vento?
E o que que tem isso? — perguntou o Marcão. — Os meus também se mexem.
Mas a Michelle completou:
Mesmo quando não tem vento...
Tá maluca.
Prestem atenção — disse a Michelle.

* * *
Naquele dia a Amanda chegou, beijou todo mundo, sentou-se, pediu uma cocadáieti, e depois se surpreendeu: por que estavam todos olhando para ela daquele jeito? Nada, nada. Todos disfarçaram. “É porque tá todo mundo apaixonado”, brincou o Anselmo. Mas a Michelle estava certa. Uma leve brisa batia no rosto da Amanda e fazia seus cabelos esvoaçarem suavemente. Era como se ela estivesse de frente para o mar, em vez de uma mesa de bar. E durante o resto da noite Amanda não notou a movimentação da turma ao seu redor e, sorrateiramente, ao redor do bar, tentando descobrir a origem daquela brisa que ninguém mais sentia, a brisa que só esvoaçava os cabelos dela. Não era corrente de ar. O bar não tinha ar-condicionado. Pelas janelas não entrava vento nenhum. De onde vinha a leve brisa que só aumentava a beleza de Amanda?

* * *
Vento no rosto, não dá — decretou a Heleninha, quando a Amanda foi embora. — Eu aguento tudo. As covinhas, tudo. Mas com vento exclusivo no rosto não há competição. É covardia.
As outras concordaram. Brisa permanente nos cabelos era demais. Mas de onde vinha a brisa? Surgiram várias teses.
É truque. Ela tem um ventilador escondido em algum lugar.
Onde?
Sei lá. Ou tem alguém que segue ela, com um ventilador.
Ou então:
É mágica mesmo. Além de tudo, ela é mágica.
Bruxa, você quer dizer.
Mágica — insistiu o Marcão, com o olhar perdido.
A última palavra foi da Michelle.
Está bem que ela seja privilegiada. Mas brisa só no rosto dela, não!

* * *
As mulheres optaram por barrar a Amanda no grupo e ainda alertar o Anselmo, pois ninguém sabia de que outras bruxarias ela era capaz. Os homens discordaram com um voto em separado: a Amanda deveria continuar no grupo. Afinal, era só uma leve brisa. Se um dia o vento aumentasse, decidiriam o que fazer.
Luís Fernando Veríssimo, in Amor Veríssimo

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