— Puxa,
vocês ainda não se conhecem? Este é o Marques, amigo velho de
guerra. E este aqui é o Silva, um amigão.
— Ah,
muito prazer em conhecê-lo.
— Oh,
o prazer é todo meu.
—
Perdão, todo seu, não. Me deixe sentir
também um grande, um enorme prazer em conhecê-lo, rapaz. O Inácio
sempre me diz maravilhas a seu respeito.
— O
Inácio também põe você nas nuvens. Por isso, é natural que eu
sinta o maior prazer em conhecê-lo.
— Bem,
já diminuiu um pouco, e eu fico satisfeito com isso. Sempre deixou
algum prazer para mim. Me desculpe, mas por que o seu prazer é
maior?
— Que
é isso, vocês estão discutindo para saber quem ficou mais contente
do que o outro, por serem apresentados?
— Não,
Inácio, a gente não está discutindo coisa nenhuma, não é, Silva?
A gente está apenas apurando quem simpatizou mais com o outro, e o
Silva quer ganhar de mim, mas eu não quero perder para o Silva.
— É,
o Marques tem razão. Só que eu não disse que o meu prazer em ficar
conhecendo ele é maior do que o dele ao ficar me conhecendo. Não
quis duvidar do prazer dele. Quando falei que sentia o maior, eu me
referia a mim mesmo, é o maior que eu sinto, não estou comparando
com o dele. Embora eu ache que o Marques é tão bacana que é
natural que eu me alegre mais em ficar amigo dele do que ele em ficar
meu amigo.
— Ora,
Silva, se eu sou bacana não sei, mas você é. Tudo que o Inácio me
conta a seu respeito demonstra a maior bacanidade. Como é que eu
também não posso ter uma grande alegria me aproximando de um cara
tão legal?
— Não
sou tão legal quanto você pensa, Marques, mas posso garantir que
sei apreciar os verdadeiros valores, e não vejo absurdo nenhum em
reconhecer as altas qualidades de você.
—
Absurdo? Quem falou em absurdo? É claro
que eu fico muito feliz por saber que você me admira, embora haja
nisso excesso de generosidade de sua parte, e também da parte do
Inácio, que andou lhe falando coisas a meu respeito. O que eu não
entendo é que você não me permita apreciar também à altura as
suas excelentes qualidades.
— Ei,
gente, que papo mais estranho esse que vocês estão levando. Cada um
quer ser mais admirador do que o outro, e discutem por causa disso?
Digamos que vocês empataram, pronto.
— Não
é bem isso, Inácio. Você não entendeu o meu ponto de vista. No
fundo, o Marques está duvidando da minha sinceridade em admirá-lo,
e veio com essa história de que eu quero todo o prazer de nossas
relações só para mim. Aí tem ironia.
— Eu
não disse isso.
— Disse
sem dizer. Pensou.
— Como
é que você pode ler no meu pensamento?
— Viu?
Ele está se traindo, Inácio. Não posso ler fisicamente o que está
lá dentro da cabeça, mas que está escrito, está. A prova é que
ele se defende alegando que não há leitura possível.
— Sabe
de uma coisa? Você envenena tudo.
— Eu,
enveneno? Tem coragem de me atirar uma ofensa dessas?
—
Calma, pessoal! Mal se conheceram e já
estão que nem galos de briga!
— Não
escutou o que ele me disse, Inácio?
— Olhe
aqui, Inácio, viu o que ele está dizendo?
— Não
vi, não escutei, nem entendi nada. O que eu não posso admitir é
que dois amigos meus se desentendam por excesso de admiração
recíproca. É o cúmulo! Parem com isso imediatamente!
— Ah,
é? Então você fica neutro diante de uma situação como esta, em
que fui insultado quando fazia os maiores rapapés a esse sujeito?
—
Sujeito é você, seu atrevido! E você,
Inácio, você me decepcionou. Ter coragem de me apresentar um tipo
dessa espécie!
—
Perdão, eu…
— Agora
não adianta, você estragou o meu dia!
— Pensa
que o meu também não foi estragado? Que prazer posso eu sentir em
travar conhecimento com um insolente como você?
— Pois
fique sabendo que não tive nenhum, absolutamente nenhum prazer em
conhecê-lo. Pelo contrário: tive o maior desprazer!
— O
desprazer foi todo meu! Maior do que tudo!
— Fique
com o seu desprazer que eu fico com o meu. Bolas para você e para o
Inácio.
— Pra
vocês também! Pra vocês também!
— Dois
cretinos que vocês são! Burrada minha querer que os dois se
conhecessem! Aliás, também sou uma besta, confesso sem o menor
prazer!
Carlos
Drummond de Andrade, in 70 historinhas
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