terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Por que Neruda

O sal do mundo tinha se reunido no México. Escritores exilados de todos os países tinham acampado sob a liberdade mexicana enquanto a guerra se prolongava na Europa com vitória após vitória das forças de Hitler que já tinham ocupado a França e a Itália. Ali estava Ana Seghers e o hoje desaparecido humorista tcheco Egon Erwin Kish, entre outros. Kish deixou alguns livros fascinantes e eu admirava muito sua grande inventiva, a curiosidade infantil e os conhecimentos de prestidigitação. Mal entrava em minha casa tirava um ovo de uma orelha ou ia engolindo, uma por uma, até sete moedas que bastante falta faziam ao pobre e grande escritor desterrado. Já nos conhecíamos da Espanha e, como ele manifestava a insistente curiosidade de saber por que motivo me chamava Neruda sem ter nascido com esse sobrenome, eu lhe dizia de brincadeira:
- Grande Kish, foste tu o descobridor do mistério do Coronel Redl (famoso caso de espionagem acontecido na Áustria, em 1914) mas nunca esclarecerás o mistério de meu nome Neruda.
E assim foi. Morreria em Praga, em meio a todas as homenagens que sua pátria libertada lhe deu, mas nunca o intrometido profissional conseguiria saber por que Neruda se chamava Neruda.
A resposta era demasiado simples e tão sem nada de extraordinário que eu guardava o mais cuidadoso segredo. Quando eu tinha quatorze anos de idade, meu pai perseguia denodadamente minha atividade literária. Não concordava em ter um filho poeta. Para encobrir a publicação de meus primeiros versos busquei um sobrenome que o despistasse totalmente. Encontrei numa revista esse nome tcheco, sem saber sequer que se tratava de um grande escritor, venerado por todo um povo, autor de belíssimas baladas e romances e com monumento erigido no bairro Mala Strana de Praga. Mal cheguei à Tchecoslováquia, muitos anos depois, coloquei uma flor aos pés de sua estátua barbuda.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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