quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Carrossel


A coisa mais impressionante que existe são os olhos dos cavalos de carrossel, olhos que parecem estar gritando “avante!” — enquanto eles, nos altibaixos do galope, jamais podem sair do mesmo círculo.
Deviam ser assim, igualmente estranhos, os olhos dos primeiros poetas que apareceram entre os homens porque olhavam através deles e para além deles. Já ouvi dizer que as tribos primitivas vazavam os olhos dos poetas... Também deviam ser assim os olhos dos Profetas porque a sua luz não era deste mundo. E aos homens assustava-os a beleza e a verdade.
Ah, meus pobres cavalinhos de pau que acabo de encontrar parados no parque deserto... será que fiz um comício? Não há de ser nada... Em todo caso, do modo como falei, dir-se-ia que a beleza e a verdade são as duas faces da mesma moeda. Nada disso: elas são a mesma moeda. Tanto assim que, quando o sábio joga cara ou coroa, encontra a beleza e, quando o poeta joga cara ou coroa, encontra a verdade.
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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