segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Bobagem

Emocionado e um pouco bêbado, aos cinco minutos do ano novo ele resolveu telefonar para o velho desafeto. - Alô? - Alô. Sou eu.
- Eu quem?
- Eu, pô.
O outro fez silêncio. Depois disse:
- Ah. É você.
- Olha aqui, cara. Eu estou telefonando pra te desejar um feliz ano-novo. Entendeu?
- Obrigado. 
- Obrigado, não. Olha aqui. Sei lá, pô...
- Feliz ano-novo pra você também.
- Eu nem me lembro mais por que nós brigamos. Juro que não me lembro.
- Eu também não lembro.
- Então, grande. Como vai Vivinha?
- Bem, bem. Quer dizer, mais ou menos. As enxaquecas...
Ele ficou engasgado. De repente se deu conta de que tinha saudades até das enxaquecas da Vivinha. Como podiam ter passado tantos anos sem se ver?
Como tinham deixado uma bobagem afastá-los daquela maneira? As pessoas precisavam se reaproximar. Aquele seria o seu projeto para o fim do milênio.
Reaproximar-se das pessoas. Só dar importância ao que aproximava. Puxa?
Estava tão enternecido com as enxaquecas da Vivinha que mal podia falar.
- A vida é muito curta. Você está me entendendo? Assim não dá.
Era como se estivesse reclamando com o fornecedor. A vida vinha com a carga muito pequena. Era preciso um botijão maior, senão não dava mesmo.
E ainda desperdiçavam vida com bobagem.
Ele quis marcar um encontro para ontem. No Lucas, como antigamente. O outro foi mais sensato e contrapropôs hoje, prevendo que ontem seria um dia de ressaca e segundos pensamentos. E tinha razão. Ontem à noite, ele voltou a telefonar. Falou secamente. Pediu desculpas, disse que não poderia ir ao encontro e despediu-se com um formal “Melhoras para a Vivinha”.
Tinha se lembrado da bobagem que motivara a briga.
Luís Fernando Veríssimo, in Comédias para se ler na escola

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