Emocionado
e um pouco bêbado, aos cinco minutos do ano novo ele resolveu
telefonar para o velho desafeto. - Alô? - Alô. Sou eu.
-
Eu quem?
-
Eu, pô.
O
outro fez silêncio. Depois disse:
-
Ah. É você.
-
Olha aqui, cara. Eu estou telefonando pra te desejar um feliz
ano-novo. Entendeu?
-
Obrigado.
- Obrigado, não. Olha aqui. Sei lá, pô...
- Obrigado, não. Olha aqui. Sei lá, pô...
-
Feliz ano-novo pra você também.
-
Eu nem me lembro mais por que nós brigamos. Juro que não me lembro.
-
Eu também não lembro.
-
Então, grande. Como vai Vivinha?
-
Bem, bem. Quer dizer, mais ou menos. As enxaquecas...
Ele
ficou engasgado. De repente se deu conta de que tinha saudades até
das enxaquecas da Vivinha. Como podiam ter passado tantos anos sem se
ver?
Como
tinham deixado uma bobagem afastá-los daquela maneira? As pessoas
precisavam se reaproximar. Aquele seria o seu projeto para o fim do
milênio.
Reaproximar-se
das pessoas. Só dar importância ao que aproximava. Puxa?
Estava
tão enternecido com as enxaquecas da Vivinha que mal podia falar.
-
A vida é muito curta. Você está me entendendo? Assim não dá.
Era
como se estivesse reclamando com o fornecedor. A vida vinha com a
carga muito pequena. Era preciso um botijão maior, senão não dava
mesmo.
E
ainda desperdiçavam vida com bobagem.
Ele
quis marcar um encontro para ontem. No Lucas, como antigamente. O
outro foi mais sensato e contrapropôs hoje, prevendo que ontem seria
um dia de ressaca e segundos pensamentos. E tinha razão. Ontem à
noite, ele voltou a telefonar. Falou secamente. Pediu desculpas,
disse que não poderia ir ao encontro e despediu-se com um formal
“Melhoras para a Vivinha”.
Tinha
se lembrado da bobagem que motivara a briga.
Luís
Fernando Veríssimo, in Comédias para se ler na escola
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