Fotograma do filme As vinhas da ira (1940)
Tom
lançou um olhar aos degraus da porta.
— Aí
vem o reverendo — disse. — Aí, atrás do celeiro.
A
mãe disse:
— Foi
a reza mais engraçada que já ouvi, essa que ele disse hoje de
manhã. Na verdade, nem foi uma reza. Foi só uma falação, mas
parecia uma reza.
— Ele
é um camarada muito engraçado — disse Tom. — Diz coisas
engraçadas sempre. E muitas vezes até fala sozinho. Mas não quer
voltar a ser pregador.
—
Repara só no olhar dele — disse a mãe.
— Parece que foi purificado. Tem um olhar que, como se diz,
atravessa tudo. Sim, sim, ele é na certa purificado. E anda sempre
de cabeça baixa, de olhar parado no chão. É um homem com toda a
certeza purificado. — E ela calou-se, porque Casy se tinha
aproximado da porta.
— O
senhor vai apanhar uma insolação andando assim, com a cabeça
descoberta — disse-lhe Tom.
Casy
disse:
— Sim,
é possível. — E, de repente, dirigiu-se a todos: — Eu tenho que
ir para o Oeste. Tenho que ir. Eu pensei em ir com vocês, se
consentissem. — Estacou, embaraçado com a veemência de suas
palavras.
A
mãe olhou para Tom, esperando que ele dissesse qualquer coisa,
porque Tom já era um homem feito. Dera-lhe esta oportunidade, que
afinal era o seu direito, depois do que, falou ela mesma:
— É
claro que a gente ficava muito honrada com a sua companhia. Mas agora
ainda não posso dizer nada de seguro. O pai diss’que os homens vão
se reunir hoje de noite para combinar o dia da viagem. Acho que é
melhor a gente não dizer nada enquanto todos eles não voltarem.
John e o pai, o Noah, o Tom, o avô, o Al e o Connie vão todos
tratar disso, logo que chegarem. Mas eu acho que, se tiver lugar, o
senhor poderá vir conosco, teremos muito prazer.
O
pregador suspirou.
— Eu
vou, de qualquer maneira — disse. — Alguma coisa vai acontecer.
Eu subi naquele alto e fiquei olhando, as casas estão todas vazias e
os campos estão vazios e a terra toda está vazia. Não posso
continuar mais por aqui. Tenho que ir para onde toda a gente vai. Vou
trabalhar a terra e talvez seja feliz.
— E
não vai mais fazer sermões? — inquiriu Tom.
— Não,
não quero saber mais disso.
— E
não vai batizar mais ninguém? — perguntou a mãe.
— Não,
também não vou batizar mais. Vou trabalhar no campo, nos campos
verdes, e ficar mais perto de toda a gente. E não vou ensinar mais
nada a ninguém. Eu é que vou tratar de aprender. Vou aprender por
que os homens andam pelos campos, vou ouvi-los falar e cantar. Vou
olhar as crianças comerem mingau e os homens e mulheres sacudirem os
colchões das camas de noite. Vou comer com eles e aprender com eles.
— Seus olhos tornaram-se úmidos e brilhavam. — Vou me deitar na
grama, aberta e honestamente, com quem me queira. Vou gritar e
praguejar à vontade e vou ouvir as canções populares. É isto que
é sagrado, é isto tudo que eu não pude até agora compreender.
Isto é o que é o verdadeiro, o bom.
A
mãe disse:
— A...
mém.
O
pregador sentou-se humildemente no cepo, ao lado da porta.
— Que
é que um homem sozinho pode fazer?
Tom
tossiu com delicadeza.
— Para
um homem que não prega mais... — começou.
— Oh,
eu sou mesmo um sujeito muito falador — disse Casy. — É meu
jeito e já não posso mudar. Mas não quero saber mais de pregar
para o povo. Pregar é contar coisas. Mas eu não conto nada, eu faço
perguntas. Isto não é pregar, é?
— Não
sei — disse Tom. — Pregar é ter um tom especial na voz, é um
modo diferente de ver as coisas. Pregar é fazer bem ao povo, apesar
de que o povo às vezes tem vontade de matar quem faz o sermão. Na
última noite de Natal, o Exército da Salvação foi a McAlester pra
distrair a gente. Teve música durante mais de três horas e a gente
ficou sentado ali, ouvindo. Eles foram muito gentis com a gente. Mas
se um só dos nossos tentasse sair da sala, todo mundo saía junto. É
isso que se chama pregar. Fazer bem a alguém que tá mal e que não
pode evitar que o façam. Não, o senhor não é pregador. O senhor
não tá aqui forçando ninguém a ouvir música de igreja.
A
mãe enfiou lenha no fogão.
— Vou
fazer comida pra você, mas não vai ser muita.
O
avô levou o caixote para fora, sentou-se sobre ele e recostou-se à
parede, e também Casy e Tom recostaram-se à parede. E a sombra da
tarde abandonou a casa.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
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