quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Passagem pelo Piemonte


Turim é uma joia não só por causa da paisagem e da história do Piemonte. Além de estar situada num dos mais belos lugares da Europa, é uma cidade marcada pela presença de grandes poetas e narradores.
Cesare Pavese nasceu ali perto, em Santo Stefanno Belbo, “nelle Langhe”, onde o vinho Barbaresco e a paisagem de colinas embriagam o corpo e os olhos.
Pavese, que cantou Turim em Lavorare stanca [Trabalhar cansa], criou uma teoria poética inspirada na paisagem, que é indissociável da história, como revelam os poemas da série Paisagem.
Há algo de mágico nessa cidade que foi a primeira capital da Itália unificada e sede do primeiro parlamento. Não me refiro apenas ao saboroso café e aos Cafés (bares), ao Museu Egípcio, ao Porta Palazzo — um dos maiores mercados ao ar livre da Europa —, à igreja Gran Madre, à Piazza Castello, ao Palazzo Madama e ao Cinema Romano, próximo da casa onde Nietzsche morou, escreveu Ecce homo e endoidou.
Refiro-me também às numerosas arcadas que inspiraram a pintura metafísica do surrealista De Chirico; e também ao livro Eremita em Paris, de Italo Calvino, nascido em Cuba, mas filho da Liguria.
Ao contrário de muitos escritores, Calvino considerava Turim — e não Paris — a cidade ideal para quem quer escrever. E tinha bons motivos para afirmar isso. Ele morou dezessete anos em Turim, onde escreveu alguns de seus melhores romances e trabalhou como editor na Einaudi. Num livro envolvente como um bom romance, I migliori anni della nostra vita [Os melhores anos da nossa vida], o escritor Ernesto Ferrero — que também participou da história da Einaudi — narrou o ambiente literário, político e artístico de Turim, na época áurea em que a mitológica Einaudi tornou-se um marco de cultura e resistência por onde passaram alguns dos maiores poetas e prosadores da Itália contemporânea.
Se num dia ensolarado um viajante atravessar a ponte sobre o rio Pó e subir o Monte dei Capuccini para contemplar a cidade e a Mole Antonelliana, certamente vai concordar com Calvino. A visão lá do alto rivaliza com todos os encantos nas margens do rio Pó e na imensidão do parque Valentino.
O suicídio de Primo Levi e de Cesare Pavese deu algo de trágico à história contemporânea de Turim, que, à semelhança de Bolonha, abrigou grandes intelectuais da esquerda italiana, de todos os matizes: Gramsci, Calvino, Pavese, Natalia Ginzburg… E ainda Norberto Bobbio, que viveu os últimos anos de sua vida na via Sacchi, próximo da estação de Porta Nuova.
Em 1936, o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, ao traçar suas primeiras impressões sobre o Brasil Central, escreveu: “a manifestação de um entusiasmo tem sempre o direito de esperar guarida”.
É com esse entusiasmo em compasso de espera que vou visitar Turim, que só conheço por meio dos livros e das descrições do cineasta e poeta Wiliam Farnesi, um brasileiro apaixonado por essa cidade, que o adotou.
Milton Hatoum, in Um solitário à espreita

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