Antonio
Maria contou que uma vez ia num táxi guiado por um chofer português
velho, bigodudo, calado, de cara triste. Quando o carro chegou à
praia o chofer viu um barco e exclamou, apontando com o braço
esticado, os olhos brilhantes, num tom de descoberta, desafio e
alegria:
— Olha
o navio pequenino!
Essa
fascinação dos portugueses pelos navios me salvou a tarde de ontem.
Eu tinha de ir à Alfândega e, portanto, passar pela Praça Mauá. O
português do volante vinha praguejando contra o calor, contra os
outros carros, contra tudo. Antes dele eu vi o Vera Cruz encostado no
cais, e disse: “Olhe o Vera Cruz, que navio bonito!” Ele recebeu
isso como um elogio pessoal e começou a falar do navio com
entusiasmo, até conhecia um maquinista de bordo e visitara todo o
gigante: “tem oito andares, mas tem elevador!”
Pelas
cinco e pouco, ao voltar para casa, me tocou outro volante português.
Na altura do Flamengo divisei o navio, que marchava para a saída da
barra, e resolvi elogiar novamente o barco, para ver o efeito. Foi
maravilhoso. “É realmente, é realmente, é um belo navio!” Fiz
notar que o Brasil não tinha nenhum navio de passageiros tão grande
e tão bonito, e isso animou ainda mais o homem. Acabou confessando
que em sua opinião não era somente o Brasil que não possuía um
navio assim: país nenhum do mundo. Os ingleses, os americanos, os
franceses, os italianos têm bons navios, sim, bons navios, mas
nenhum tão bonito. “O senhor não acha?” Desconversei, “esse
aí eu vou ver passar de minha janela em Ipanema”. Discordou: o
navio tinha grande velocidade e cortava muito caminho por onde ia.
Discutimos um pouco, eu jogando no táxi dele, e ele apostando no
navio.
Em
Copacabana voltamos a ver o barco, na altura da Cotunduba. Fiz-lhe
ver que eu estava ganhando a aposta: “já passamos na frente”.
Ele balançou a cabeça: “agora é que ele vai desenvolver a
velocidade”.
Na
Vieira Souto ele teve de se render à evidência: o navio mal
apontava no Arpoador e nós já estávamos perto do Posto 8. Mas
arrumou uma explicação: “o comandante mandou tocar devagar para
os passageiros verem a paisagem”. Fiz uma reflexão:
— Quer
dizer que é assim: o navio a ver a paisagem e a paisagem a ver o
navio.
E
graças a isso, quando lhe paguei a corrida ele me perguntou se eu
era poeta: “isto que o senhor disse eu vou repetir à patroa”.
O
casal de portugueses da portaria conversava com o porteiro do lado e
o zelador do edifício da frente, todos portugueses. Dei a notícia:
“o Vera Cruz está passando lá no mar.”
O
Vera Cruz! O Vera Cruz! E saíram todos para a praia; no caminho
arrebanharam mais um português que passava:
— O
Vera Cruz, homem, venha depressa, venha!
E
lá se foram a correr, os pedros álvares cabrais.
Rubem
Braga, in
Ai de ti, Copacabana
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