Um
homem chamado de O Gago chegou à Media Luna e perguntou por Pedro
Páramo.
— Para
que o senhor o solicita?
— Quero
faalar comcom ele.
— Não
está.
— Diga
aa ele, quanquando voltar, que venho da paparte de dom Fulgor.
— Vou
buscá-lo; mas espera umas tantas horas.
— Diga
a ele, é coooisa de urgência.
— Vou
dizer.
O
homem que era chamado de O Gago esperou em cima do cavalo. Passado um
tempo, Pedro Páramo, que ele nunca tinha visto, postou-se à sua
frente:
— Em
que posso servi-lo?
—
Preciso fafalar diretamente com o patrão.
— Sou
eu. O que você quer?
—
Popois é só issso. Mataram dom Fulgor
Sesedano. Eu lhe fazia companhia. Tínhamos vindo pelos lalados dos
“desaguadouros” para averiguar por que a água andava
escasseando. E estatávamos nisso quanquando vimos uma manada de
homens que saíram ao nosso encontro. E no meio daquela mulmultidão
brobrotou uma voz que disse: “Esse aí eu coconheço. É o
administrador da Memedia Luna.”
“Nenem
ligaram para mimim. Mas mandaram dom Fulgor largar o animal. Disseram
que eram revolucionários. Que vinham atrás das terras do sinhô.
‘Cooorra!’ disseram a dom Fulgor. ‘Vai lá dizer ao seu patrão
que nos encontraremos.’ E ele largou o animal e saiu chispando,
apavorado. Não muito depressa poporque era muito pesado; mas correu.
Mamataram ele correendo. Momorreu com uma pata papara cima e outra
para baixo.
“Então
eu nenem meme mexi. Esperei até dede nooite e aqui estou para
anunciar o queque aconteceu.
— E
está esperando o quê? Por que não se mexe logo? Vai lá e diz a
esses fulanos que estou aqui para o que eles quiserem. Que venham
tratar comigo. Mas antes dê uma volta por La Consagración. Você
conhece o Sucuri? Ele vai estar por lá. Diga a ele que preciso
vê-lo. E avisa a esses fulanos que espero por eles assim que tiverem
um tempo disponível. Que joça de revolucionários são?
— Nãnão
sei. Eles é que se chamaram ansim.
— Diga
ao Sucuri que preciso dele aqui mais do que depressa.
—
Popode deixar, papatrão.
Pedro
Páramo tornou a se encerrar em seu escritório. Sentia-se velho e
acabrunhado. Não se preocupava com Fulgor, que afinal de contas já
estava “mais pra lá do que pra cá”. Havia dado de si tudo que
tinha para dar; embora tenha sido muito serviçal, cada qual era cada
um. “Seja como for, os ‘sucurizaços’ que esses loucos vão
levar”, pensou.
Pensava
mais em Susana San Juan, metida sempre em seu quarto, dormindo, e
quando não, era como se dormisse. Tinha passado a noite anterior em
pé, recostado na parede, observando através da pálida luz do
candeeiro o corpo de Susana em movimento; a cara suarenta, as mãos
agitando os lençóis, amassando o travesseiro até fazê-lo em
pedaços.
Desde
que tinha trazido Susana para morar aqui não sabia de outras noites
passadas ao seu lado, a não ser aquelas noites doloridas, de
interminável quietude. E se perguntava quando é que aquilo iria
terminar.
Esperava
que alguma vez. Nada pode durar tanto, não existe nenhuma recordação
que, por intensa que seja, não se apague.
Se
pelo menos tivesse sabido o que era aquilo que a maltratava por
dentro, que fazia com que se debatesse insone, como se a
despedaçassem.
Ele
achava que a conhecia. E mesmo se não fosse assim, será que não
bastava saber que ela era a criatura mais amada por ele sobre a
terra? E que além do mais — e isso era o mais importante —
serviria para que ele se fosse da vida alumbrando-se com aquela
imagem que apagaria todas as outras recordações.
Mas
qual era o mundo de Susana San Juan? Essa foi uma das coisas que
Pedro Páramo jamais chegou a saber.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
Nenhum comentário:
Postar um comentário