domingo, 3 de dezembro de 2017

O Gago

Um homem chamado de O Gago chegou à Media Luna e perguntou por Pedro Páramo.
Para que o senhor o solicita?
Quero faalar comcom ele.
Não está.
Diga aa ele, quanquando voltar, que venho da paparte de dom Fulgor.
Vou buscá-lo; mas espera umas tantas horas.
Diga a ele, é coooisa de urgência.
Vou dizer.
O homem que era chamado de O Gago esperou em cima do cavalo. Passado um tempo, Pedro Páramo, que ele nunca tinha visto, postou-se à sua frente:
Em que posso servi-lo?
Preciso fafalar diretamente com o patrão.
Sou eu. O que você quer?
Popois é só issso. Mataram dom Fulgor Sesedano. Eu lhe fazia companhia. Tínhamos vindo pelos lalados dos “desaguadouros” para averiguar por que a água andava escasseando. E estatávamos nisso quanquando vimos uma manada de homens que saíram ao nosso encontro. E no meio daquela mulmultidão brobrotou uma voz que disse: “Esse aí eu coconheço. É o administrador da Memedia Luna.”
Nenem ligaram para mimim. Mas mandaram dom Fulgor largar o animal. Disseram que eram revolucionários. Que vinham atrás das terras do sinhô. ‘Cooorra!’ disseram a dom Fulgor. ‘Vai lá dizer ao seu patrão que nos encontraremos.’ E ele largou o animal e saiu chispando, apavorado. Não muito depressa poporque era muito pesado; mas correu. Mamataram ele correendo. Momorreu com uma pata papara cima e outra para baixo.
Então eu nenem meme mexi. Esperei até dede nooite e aqui estou para anunciar o queque aconteceu.
E está esperando o quê? Por que não se mexe logo? Vai lá e diz a esses fulanos que estou aqui para o que eles quiserem. Que venham tratar comigo. Mas antes dê uma volta por La Consagración. Você conhece o Sucuri? Ele vai estar por lá. Diga a ele que preciso vê-lo. E avisa a esses fulanos que espero por eles assim que tiverem um tempo disponível. Que joça de revolucionários são?
Nãnão sei. Eles é que se chamaram ansim.
Diga ao Sucuri que preciso dele aqui mais do que depressa.
Popode deixar, papatrão.
Pedro Páramo tornou a se encerrar em seu escritório. Sentia-se velho e acabrunhado. Não se preocupava com Fulgor, que afinal de contas já estava “mais pra lá do que pra cá”. Havia dado de si tudo que tinha para dar; embora tenha sido muito serviçal, cada qual era cada um. “Seja como for, os ‘sucurizaços’ que esses loucos vão levar”, pensou.
Pensava mais em Susana San Juan, metida sempre em seu quarto, dormindo, e quando não, era como se dormisse. Tinha passado a noite anterior em pé, recostado na parede, observando através da pálida luz do candeeiro o corpo de Susana em movimento; a cara suarenta, as mãos agitando os lençóis, amassando o travesseiro até fazê-lo em pedaços.
Desde que tinha trazido Susana para morar aqui não sabia de outras noites passadas ao seu lado, a não ser aquelas noites doloridas, de interminável quietude. E se perguntava quando é que aquilo iria terminar.
Esperava que alguma vez. Nada pode durar tanto, não existe nenhuma recordação que, por intensa que seja, não se apague.
Se pelo menos tivesse sabido o que era aquilo que a maltratava por dentro, que fazia com que se debatesse insone, como se a despedaçassem.
Ele achava que a conhecia. E mesmo se não fosse assim, será que não bastava saber que ela era a criatura mais amada por ele sobre a terra? E que além do mais — e isso era o mais importante — serviria para que ele se fosse da vida alumbrando-se com aquela imagem que apagaria todas as outras recordações.
Mas qual era o mundo de Susana San Juan? Essa foi uma das coisas que Pedro Páramo jamais chegou a saber.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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