O
sociólogo indiano André Béteille escreveu: “Conhecer uma língua
nos torna humanos; sentir-mo-nos à vontade em mais que uma língua
nos torna civilizados”. Se isto é verdade, os africanos —
secularmente apontados como os não-civilizados — poderão estar
mais disponíveis para a modernidade do que eles próprios pensam.
Grande parte dos africanos domina mais do que uma língua africana e,
além disso, falam uma língua europeia. Aquilo que é geralmente
tido como problemático pode ser, afinal, uma potencialidade para o
futuro. Porque a nossa habilidade de poliglotas nos pode conferir, a
nós africanos, um passaporte para algo que hoje se tornou
perigosamente raro: a viagem entre identidades diversas e a
possibilidade de visitar a intimidade dos outros.
De
qualquer modo, um futuro civilizado passa por grandes e radicais
mudanças neste mundo que poderia ser mais nosso. Implica acabar com
a fome, a guerra, a miséria. Mas implica também estar disponível
para lidar com os materiais do sonho. E
isso tem a ver com a língua que fez adormecer a mulher doente no
início desta minha intervenção. Esse homem futuro deveria ser,
sim, uma espécie de nação bilingue. Falando um idioma arrumado,
capaz de lidar com o quotidiano visível. Mas dominando também uma
outra língua que dê conta daquilo que é da ordem do invisível e
do onírico.
O
que advogo é um homem plural, munido de um idioma plural. Ao lado de
uma língua que nos faça ser mundo, deve coexistir uma outra que nos
faça sair do mundo. De um lado, um idioma que nos crie raiz e lugar.
Do outro, um idioma que nos faça ser asa e viagem.
Ao
lado de uma língua que nos faça ser humanidade, deve existir uma
outra que nos eleve à condição de divindade.
Mia
Couto,
in E
se Obama
fosse africano?
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