sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Das injúrias

Se o próprio Epicuro, que tanto cedeu ao corpo, se insurgiu contra as injúrias, porque hão-de nos parecer estas coisas incríveis ou sobre-humanas? Epicuro disse que, para o sábio, as injúrias são toleráveis; nós dizemos que, para o sábio, não há injúrias. E não digas que isto é estar em desacordo com a natureza: não negamos que seja desagradável ser fustigado, agredido ou ficar privado de um membro, mas negamos que estas coisas sejam injúrias; não contestamos o caráter doloroso, mas sim o nome de “injúria”, o qual não podemos aceitar sem faltar à virtude. Veremos qual das duas doutrinas é mais verdadeira; mas, de qualquer forma, ambas desprezam a injúria.
Queres saber qual a diferença entre elas? É a mesma que existe entre dois gladiadores intrépidos: um que comprime a ferida e mantém-se em posição, o outro, virando-se para o público clamoroso, faz sinal de que nada se passou e pede para que não se pare o combate. Não julgues que aquilo em que discordamos é importante: no que diz respeito ao ponto principal, que é aquele que nos interessa, as duas doutrinas encorajam a desprezar as injúrias e o que eu chamaria sombras das injúrias e suspeições, que são as ofensas. Para desprezá-las não é preciso sermos sábios, mas sim sermos tão sensatos que possamos dizer para nós mesmos: “Mereci ou não que estas coisas me acontecessem? Se mereci, não é ofensa, é julgamento; se não mereci, aquele que está a ser injusto comigo deveria envergonhar-se disso”. E o que é aquilo a que chamamos ofensa? Um gracejo sobre a minha calvície, sobre a fraqueza da minha vista, sobre a magreza das minhas pernas ou sobre a minha estatura? É ofensa ouvir o que está à vista? Rimo-nos de uma coisa quando é dita por alguém que está a sós conosco, indignamo-nos quando ela é dita publicamente, e recusamos aos outros a liberdade de repetir as coisas que costumamos dizer; divertimo-nos com os gracejos moderados, com os imoderados irritamo-nos.
Sêneca, in Da constância do sábio

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