quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Confessional

Eu fui um menino por trás de uma vidraça — um menino de aquário.
Via o mundo passar como numa tela cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens.
Tudo tão chato que o desenrolar da rua acabava me parecendo apenas em preto e branco, como nos filmes daquele tempo.
O colorido todo se refugiava, então, nas ilustrações dos meus livros de histórias, com seus reis hieráticos e belos como os das cartas de jogar.
E suas filhas nas torres altas — inacessíveis princesas.
Com seus cavalos — uns verdadeiros príncipes na elegância e na riqueza dos jaezes.
Seus bravos pajens (eu queria ser um deles...)
Porém, sobrevivi...
E aqui, do lado de fora, neste mundo em que vivo, como tudo é diferente! Tudo, ó menino do aquário, é muito diferente do teu sonho...
(Só os cavalos conservam a natural nobreza.)
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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