A
relação das verdades com o tempo não é positiva, mas negativa, é
um simples não ter que ver com o tempo em nenhum sentido, é ser por
completo alheias a toda a qualificação temporal, é manter-se
rigorosamente anacrônicas.
Dizer, pois, que as verdades o são sempre não envolve, falando de
modo rigoroso, menor impropriedade que se dissermos - para usar uma
famoso exemplo trazido por Leibniz a outro propósito -, “justiça
verde”. O corpo ideal da justiça não oferece um encaixe nem um
orifício onde possa enganchar-se o atributo “verdosidade”, e
todas as vezes em que pretendamos inseri-lo naquele, outras tantas o
veremos resvalar sobre a justiça - como sobre uma área polida. A
nossa vontade de unir estes dois conceitos fracassa, e, ao dizê-los
juntos, permanecem obstinadamente separados, sem possível adesão
nem conjugação. Não existe, pois, heterogeneidade maior que a que
existe entre o modo de ser atemporal constituitivo das verdades e o
modo de ser temporal do sujeito humano que as descobre e pensa,
conhece ou ignora, rejeita ou esquece.
Se,
não obstante, usamos essa maneira de dizer - “as verdades são-no
sempre” -, é porque praticamente isto não leva a consequências
errôneas:
é um erro inocente e cômodo.
Graças a ele, olhamos esse estranho modo de ser que as verdades
gozam sob a perspectiva temporal em que nos é habitual olhar as
coisas do nosso mundo. Ao fim e ao cabo, dizer de alguma coisa que é
sempre o que é equivale a afirmar a sua independência das variações
temporais, a sua invulnerabilidade. É, pois, dentro do temporal, o
carácter que mais se parece com a pura intemporalidade - é uma
quase-forma de intemporalidade, a species
quaedam aeternitatis.
Ortega
y Gasset, in O
que
é a Filosofia?
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