sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Chapeuzinho Vermelho


A estória de Chapeuzinho Vermelho nos ensina preciosas lições políticas. Caminhando pela floresta, Chapeuzinho, tão bobinha, acredita na fala do lobo, escondido no meio das árvores. Assim é o povão: acredita em qualquer coisa. Se duvidam, sugiro que gastem um pouco do seu tempo olhando os programas religiosos na televisão. Esses programas poderiam ser usados para avaliar o grau de inteligência e educação da população. É assombroso aquilo em que se pode acreditar! Acredita-se em tudo, desde que um milagre seja prometido. Muito mais espertos que o lobo de antigamente, os lobos de agora valem-se da mais moderna tecnologia. Contratam “produtores de imagem”. O que é um “produtor de imagem”? É um profissional de estética que faz operações plásticas na imagem do candidato de forma que ele deixe de ser o que era, naturalmente, e fique parecido com a imagem que o povo deseja. Pois o lobo, já com a vovozinha dentro da barriga – (Voz gutural: “Que grande goela a minha! Engoli a velha inteirinha!”) –, “fantasiou-se” de vovozinha. “Toc, toc, toc...”, Chapeuzinho bateu à porta. “Quem bate sem ordem minha?”, pergunta o lobo com voz grossa. “Sou eu, Chapeuzinho...” O produtor de imagem que se escondia atrás da cabeceira da cama lhe disse logo: “Mude a voz, mude a voz...”. E sua voz gutural se transforma na trêmula voz de uma velhinha indefesa: “Pode entrar, minha netinha”. Chapeuzinho conhecia a vovó muito bem. Aproxima-se da cama e, pasmem!, não percebe a diferença. As orelhas, os olhos, o focinho, os dentes, os pelos na pata, o cheiro de corrupção, tudo dizia: “Fuja! Não é a vovozinha! É o lobo!”. Mas Chapeuzinho era muito burra, muito burrinha mesmo. Como o povão que vê televisão, ela acreditava na “imagem”. Na estória, os caçadores salvam a tonta. Mas acho que não merecia ser salva. O lobo era mais inteligente que ela. A burrice não merece ser salva. Essa estória dá duas lições negativas às crianças. A primeira é que nem sempre é sábio fazer o que a mãe manda. Uma mãe que manda uma filha por uma floresta onde havia um lobo só pode ser louca. Maternidade não é garantia de sanidade. A segunda é uma lição mentirosa: que não importa ser burro porque os caçadores aparecem no fim para consertar o estrago. Na vida real o fim é outro. O lobo, juntamente com os caçadores e os produtores de imagem, comem Chapeuzinho Vermelho, como atestam esses anos de “democracia” no Brasil.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

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