Prímulas
Uma
coisa de que me orgulho é que sempre pressinto as mudanças de
estação: alguma coisa no ar me avisa que vem coisa nova, e eu me
alvoroço toda, não sei para o quê.
Na
primavera do ano passado ganhei de uma grande amiga uma planta,
prímula, tão misteriosa que no seu mistério está contida a
explicação inexplicável de uma presença divina: o segredo do
cosmos.
Essa
planta, que aparentemente nada tem de singular, é dona do segredo da
natureza.
Quando
se aproxima a primavera, suas folhas morrem e em lugar delas nascem
várias flores fechadas. A cor é roxo-violeta e branco, e mesmo
fechadas têm um perfume feminino e masculino que é extremamente
estonteador.
O
segredo destas flores fechadas é que exatamente no primeiro dia da
primavera elas se abrem e se dão ao mundo. Como? Mas como sabe esta
modesta planta que a primavera acaba de se iniciar? E as flores se
abrem de repente. A gente está sentada perto, olhando distraída, e
eis que elas vagarosamente vão se abrindo se entregando à nova
estação, sob os nossos olhos espantados. E a primavera então se
instala. “Cresci como a vinha de frutas de agradável odor e minhas
flores são frutos de glória e abundância.” (Eclesiástico,
24:33)
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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