quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Filosofia, poesia e folia...

O homem tem sentido muito pouca alegria: esse, somente, meus irmãos, é o nosso pecado original

Aos que dançam aos sons coloridos da fantasia, aos que fazem os corpos tremer, voar e mostrar, essas pitadas de filosofia, poesia e folia, escritas por Nietzsche, discípulo de Dionísio, deus do vinho, das festas, das orgias e do prazer… Fantasiado de filosofo ele se junta aos cordões de foliões… Eu poderia crer somente num deus que dançasse. E quando vi o meu demônio eu o encontrei sério, rigoroso, profundo e solene: era o espírito da gravidade por ele todas as coisas afundam. Não se mata por meio do ódio. Mata-se por meio do riso. Venham, vamos matar o espírito de gravidade! Agora estou leve! Agora eu voo! Agora um deus dança através do meu corpo.”
Num homem real se esconde uma criança... que deseja brincar…
Somente na dança eu sei contar a parábola das coisas mais altas! Quanto a mim, gosto da vida: borboletas e bolhas de sabão e todas as coisas que, entre os homens, se assemelhem a elas. Vendo flutuar essas almas leves, tolas, moveis, pequenas isso seduz Zaratustra a lágrimas e canções.”
O homem tem sentido muito pouca alegria: esse, somente, meus irmãos, é o nosso pecado original.
Um homem de verdade deseja duas coisas: perigo e brincar.
A maturidade de um homem consiste em achar de novo a seriedade que se tinha como criança ao brincar.
E vocês, para quem a vida é um trabalho furioso e agitação, não estão cansados da vida? Não estão maduros para a pregação da morte? Todos vocês, que amam o trabalho furioso, o que é rápido, novo e estranho na verdade vocês acham difícil suportar vocês mesmos. O seu trabalho é uma fuga, uma vontade de se esquecerem de vocês mesmos. Se acreditassem mais na vida, não se agitariam tanto. Mas vocês não têm conteúdo suficiente em vocês mesmos para esperar e nem mesmo tempo para a preguiça.
Digo-lhes: é preciso ter caos dentro de si mesmo para ser capaz de dar à luz uma estrela dançante.
As palavras e os sons, não são eles pontes iridescentes e etéreas entre coisas eternamente separadas? Os nomes e os sons não foram dados às coisas para que nós as achássemos mais refrescantes? A fala é uma deliciosa loucura. Por meio dela o homem dança sobre todas as coisas.
O fundo do meu mar é tranquilo: quem poderia imaginar que nele vivem monstros brincalhões? Minhas profundezas são imperturbáveis. Mas elas cintilam com enigmas e risos nadantes.
Gosto de me assentar aqui onde as crianças brincam, ao lado da parede em ruínas, entre espinhos e papoulas vermelhas. Para as crianças, sou ainda um sábio, e também para os espinhos e papoulas vermelhas.
Foi-se a penumbra hesitante da minha primavera! Foi-se a maldade dos meus flocos de neve no verão. Tornei-me verão inteiramente, meio-dia de verão! Verão nas esferas altas com fontes frescas e silêncio abençoado. Oh! Venham meus amigos, para que o silêncio se torne mais abençoado ainda!
O deleite do artista naquilo que é passageiro, a alegria do artista que desafia todo sofrimento, é meramente uma imagem brilhante de nuvens e céu espelhada no lago negro da tristeza.
Rubem Alves, in Folha de S. Paulo (Cotidiano, 08/03/2011)

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