O
homem tem sentido muito pouca alegria: esse, somente, meus irmãos, é
o nosso pecado original
Aos
que dançam
aos sons coloridos da fantasia, aos que fazem os corpos tremer, voar
e mostrar, essas pitadas de filosofia, poesia e folia, escritas por
Nietzsche, discípulo de Dionísio, deus do vinho, das festas, das
orgias e do prazer… Fantasiado de filosofo ele se junta aos cordões
de foliões… “Eu
poderia crer somente num deus que dançasse. E quando vi o meu
demônio eu o encontrei sério, rigoroso, profundo e solene: era o
espírito da gravidade por ele todas as coisas afundam. Não se mata
por meio do ódio. Mata-se por meio do riso. Venham, vamos matar o
espírito de gravidade! Agora estou leve! Agora eu voo! Agora um deus
dança através do meu corpo.”
Num
homem real se esconde uma criança... que deseja brincar…
“Somente
na dança eu sei contar a parábola das coisas mais altas! Quanto a
mim, gosto da vida: borboletas e bolhas de sabão e todas as coisas
que, entre os homens, se assemelhem a elas. Vendo flutuar essas almas
leves, tolas, moveis, pequenas isso seduz Zaratustra a lágrimas e
canções.”
O
homem tem sentido muito pouca alegria: esse, somente, meus irmãos, é
o nosso pecado original.
Um
homem de verdade deseja duas coisas: perigo e brincar.
A
maturidade de um homem consiste em achar de novo a seriedade que se
tinha como criança ao brincar.
E
vocês, para quem a vida é um trabalho furioso e agitação, não
estão cansados da vida? Não estão maduros para a pregação da
morte? Todos vocês, que amam o trabalho furioso, o que é rápido,
novo e estranho na verdade vocês acham difícil suportar vocês
mesmos. O seu trabalho é uma fuga, uma vontade de se esquecerem de
vocês mesmos. Se acreditassem mais na vida, não se agitariam tanto.
Mas vocês não têm conteúdo suficiente em vocês mesmos para
esperar e nem mesmo tempo para a preguiça.
Digo-lhes:
é preciso ter caos dentro de si mesmo para ser capaz de dar à luz
uma estrela dançante.
As
palavras e os sons, não são eles pontes iridescentes e etéreas
entre coisas eternamente separadas? Os nomes e os sons não foram
dados às coisas para que nós as achássemos mais refrescantes? A
fala é uma deliciosa loucura. Por meio dela o homem dança sobre
todas as coisas.
O
fundo do meu mar é tranquilo: quem poderia imaginar que nele vivem
monstros brincalhões? Minhas profundezas são imperturbáveis. Mas
elas cintilam com enigmas e risos nadantes.
Gosto
de me assentar aqui onde as crianças brincam, ao lado da parede em
ruínas, entre espinhos e papoulas vermelhas. Para as crianças, sou
ainda um sábio, e também para os espinhos e papoulas vermelhas.
Foi-se
a penumbra hesitante da minha primavera! Foi-se a maldade dos meus
flocos de neve no verão. Tornei-me verão inteiramente, meio-dia de
verão! Verão nas esferas altas com fontes frescas e silêncio
abençoado. Oh! Venham meus amigos, para que o silêncio se torne
mais abençoado ainda!
O
deleite do artista naquilo que é passageiro, a alegria do artista
que desafia todo sofrimento, é meramente uma imagem brilhante de
nuvens e céu espelhada no lago negro da tristeza.
Rubem
Alves,
in Folha de S. Paulo (Cotidiano, 08/03/2011)
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