O
estilo que tenho construído assenta na grande admiração e respeito
que tenho pela língua que foi falada nesta terra nos séculos XVI e
XVII. Pegamos nos sermões do padre Antônio Vieira e, para além do
preciosismo e conceptismo do gozo, por vezes um pouco obscurecedor do
sentido, verificamos que há, em tudo o que escreveu, uma língua
cheia de sabor e de ritmo, como se isso não fosse exterior à
língua, mas lhe fosse intrínseco.
A
língua é um fio que constantemente se parte e hoje estamos sempre a
dar-lhe nós que bem se notam na escrita. Não sabemos ao certo como
se falava na época. Mas sabemos como se escrevia. A língua que
então se escrevia era um fluxo ininterrupto. Admitindo que podemos
compará-la a um rio, sentimos que é como uma grande massa de água
que desliza com peso, com brilho, com ritmo, mesmo que, por vezes, o
seu curso seja interrompido por cataratas.
Esse
gosto, que não é de hoje, converteu-se num agente transformador da
minha linguagem atual. Escrevo, no fundo, como se escrevesse a língua
que gostaria que se falasse.
José
Saramago, in As palavras de Saramago
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