quinta-feira, 27 de julho de 2017

Robespierre e seu executor

Maximilien Marie Isidore de Robespierre foi um dos líderes da Revolução Francesa. Chamado de “O Incorruptível”, foi o principal teórico e porta-voz dos jacobinos, a facção mais radical dos revolucionários, em oposição aos girondinos, mais moderados. Exigiu o guilhotinamento do rei e da rainha e instalou o “Terror”, que liquidou opositores da Revolução, ou apenas suspeitos de se oporem à Revolução, numa orgia de sangue que não poupou nem seu ex-companheiro Danton (o Trotsky para o seu Stalin, numa analogia um pouco forçada). Pouco depois da execução de Danton, o próprio Robespierre foi preso por seus inimigos girondinos e condenado à morte. Na mesma guilhotina.

Imaginemos que na véspera da sua execução, Robespierre recebe na cela a visita de um verdugo oficial. Que se apresenta:
Louis-Phillipe Affilè.
Enchantê.
Seu admirador.
Muito obrigado.
Foi por sua causa que entrei para o serviço público. Foi ouvindo seus discursos que me decidi a servir a Revolução.
A Revolução agradece.
Sou obrigado a fazer esta visita, antes de cada execução. Para, por assim dizer, preparar o terreno...
Você quer dizer, a minha nuca.
Também devo medir a sua cabeça, para saber o tamanho do cesto. O farei com a devida reverência. É a cabeça mais brilhante da República.
Esteja à vontade. Minha cabeça não pertence mais à República. A República não a quis mais. Na verdade, minha cabeça já pertence a você.
O senhor prefere raspar a nuca?
Como foi com o Danton?
Ele disse que uma navalha antes da lâmina da guilhotina seria uma apoteose do supérfluo.
Ah, as frases do Danton. Ele foi o mais frívolo de nós dois. Se contentava em fazer frases. Eu queria fazer História.
Maria Antonieta pediu para manter todo o seu cabelo. Disse que era por razões sentimentais. Sentia-se muito apegada a ele.
Você também foi o executor da Maria Antonieta?
Sim. Foi no meu turno. Nós os verdugos não temos tido descanso. O senhor nos dá muito trabalho. Ou nos dava...
Tudo pela Revolução.
Eu sei. É por isso que mantenho este emprego, apesar das lamúrias dos condenados, das ofertas de propina... Tudo pela Revolução.
O Danton e a Maria Antonieta ofereceram propina para não serem guilhotinados?
O Danton não. A Maria Antonieta sim. Uma fortuna. Resisti. Também sou incorruptível. Inspirado no senhor.
E se eu lhe oferecesse uma fortuna para me ajudar a fugir?
O verdugo fica em silêncio. Depois sorri.
Eu diria que o senhor está me testando. Para saber se minha admiração pelo senhor é sincera. E se eu sou mesmo incorruptível, como o senhor.
E se eu insistisse na oferta?
Então todas as minhas ilusões ruiriam. Minha admiração pelo senhor desapareceria e eu não acreditaria em mais nada. Nem na Revolução.
Situação interessante — diz Robespierre.
Para continuar me admirando, você precisa me matar.
Silêncio. O verdugo pergunta:
Foi um teste, não foi?
Claro — diz Robespierre.
E então, vamos raspar a nuca?
Só uma aparadinha, para o corte da lâmina ser limpo.
Luís Fernando Veríssimo, in Diálogos impossíveis

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