O
convívio que lhe vem, entre solidão, e que nada acaba, é uma
grande vida poderosa — tudo calma ou querela — arraia graúda de
surdos-cegos, infância oceânica. Acompanha-o o lendário, margeia-o
o noturno. O estouvado amor e as querências guardadas. O manso
migrar sem razão, trans redondeza. A sábia alternância dos
malhadores. Os vultos abalroantes, remoendo as horas, ao prazo de um
calor em que o solo pede mais sombras. Os bois escoltando a escuridão
até à porta de casa. O círculo de mugidos, lastimais, falando ao
sangue ou à lua. O medo grande que de dia e de noite esvoaça, e que
pousa na testa da rês como uma dor. Os touros que o demônio monta.
O ódio como sobe da terra e o bailar de grotescas raivas. A queixa
do bicho doente, de balançantes chifres, súplicas que não se
dirigem a Deus nem ao homem. Os rastros que levam o chão para
longínquas águas. As negras refeições remendadas dos corvos. Os
rebanhos estrãos, removendo a paisagem. As sentinelas que eles
traspassam, e que olham e admugem o horizonte. A poeira arribavã,
sobre os matos, na fuga das manadas. A simetria obscurada das coisas,
as folhas que crescem com virtudes. Os verdes que se vão e vêm,
como relâmpagos tontos. A dança mágica do capim que a vaca vai
comendo.
De
tudo, ele ser, regra própria, crescido em si e taciturno, fazejo na
precisão de haver sua ciência e de imitar instintos.
Guimarães
Rosa, in Ave, palavra
Nenhum comentário:
Postar um comentário