Mas,
à medida que o tempo passava, nada do que eu lhe dizia a chocava.
Conversávamos toda noite, eu falando a maior parte do tempo e ela
não prestando atenção alguma ao que eu dizia. Se você
perguntasse, não há nenhuma palavra ou frase minha que Jenny
pudesse lembrar. Isso é uma tragédia.
Eu
disse algumas belas coisas, às vezes até surpreendendo a mim mesmo.
Sou incapaz de evocá-las agora, mas lembro que na época elas eram
espetaculares, refinadamente expostas e dignas de serem lembradas. Eu
disse que eu desejo contar a verdade. Preciso fazer uma pausa agora e
admitir que fracassei. Eu disse que Jenny era gorda e não era
bonita. Isso é muito inexato, pois Jenny não é nada disso. Não.
Jenny é uma beleza. Ela é esbelta e flexível. Sua postura é tão
arrogante como a de uma rosa. É uma alegria viver ao seu lado. Seus
cabelos são maravilhosos. Nem ruivos nem dourados, mas ambos, e ela
os penteia com misteriosa elaboração, enrolando-os em um nó na
nuca à maneira das mulheres eslavas. Foi casada, mas agora é
divorciada. Seu marido era um avicultor. Achei isso engraçado.
— Jenny
— perguntei. — Qual é a cara de um avicultor?
Não
havia motivo para isso. Na verdade, eu sei perfeitamente bem como é
a cara de um avicultor. Meu tio em Colorado Springs está no ramo
avícola e eu trabalhei um verão no seu rancho.
Mike
Schwartz é viúvo. Eu o classificaria como bonito. Tem um filho, um
bom menino, de seis anos. Às vezes Mike traz o menino aqui para ver
Jenny. O menino a chama de Tia Jenny. Ele tem um corpo pequeno
maravilhosamente forte, com pernas como marfim polido, e cabelos
encaracolados. Um belo menino — um filho que eu teria orgulho de
proclamar como meu. Ele é muito barulhento. Às vezes entra no meu
quarto e eu o faço sentar à máquina e deixo que martele as teclas
como um macaco. Ele gosta disso. Um belo menino. Uma tragédia que
seu pai seja um sujeito tão burro. O menino tem um talento literário
pronunciado. Se fosse meu, faria dele um gênio literário. Aos doze,
eu o faria escrever e publicar uma autobiografia. Seria uma mera
obra-prima. Eu providenciaria isso. Do jeito que as coisas vão, o
garoto sem dúvida vai crescer e se tornar um bobalhão como o pai,
um homem sem poesia que cai de joelhos e uiva como um bezerro ao dar
um pedaço de metal de presente a uma garota.
Jenny
fica excitada quando Schwartz traz o menino. Começa a parecer que
Schwartz vai casar com ela. Ela botou a foto do menino na sua cômoda
e ela o adora. Eu já comecei a me cansar da foto daquele menino.
Toda vez que entro no seu quarto para pegar um cigarro emprestado
tenho de tolerar aquela foto esfregada na minha cara, com uma
coletânea de frases inteligentes do rapazinho. São ótimas, sem
dúvida, mas não estou interessado. Gosto do menino, é um ótimo
rapaz, mas seus epigramas pueris me aborrecem. Não estou realmente
interessado.
Mike
Schwartz visita Jenny regularmente. Toda noite antes que ele chegue,
Jenny corre para o meu quarto e pergunta se está vestida
corretamente, se seus cabelos estão bonitos, se eu gosto deste ou
daquele par de sapatos. Mike Schwartz tem dinheiro, pilhas de
dinheiro no banco. É dono de uma olaria. E isso não é tudo. Tem
uma casa em Los Angeles, uma mansão em Bel Air, para não mencionar
dois Packards e um Pontiac.
— Jenny
— eu disse —, ele pode ser dono de uma olaria e ter um castelo em
Bel Air, mas ele tem uma alma? Tem alguma profundidade? Eu o observei
de perto pessoalmente e não consigo descobrir nada de belo em sua
natureza. É um conformista frio, sem sangue, voltado só para o
dinheiro.
— Ele
é muito amável — disse Jenny.
— Um
julgamento perfeitamente sem sentido. Tem ele alguma percepção das
coisas mais delicadas da vida? As coisas profundas, duradouras?
— Ele
é simplesmente amável. E, apesar de grandalhão, é gentil como um
cordeiro.
Ergui
os olhos para o teto.
Ah,
Jenny. Sua ingenuidade me entristece. Me dá vontade de sair
cegamente na noite para chorar no alto de um morro solitário pelos
sofrimentos das mulheres. O simples fato de que Schwartz é amável
não prova nada. Uma vaca é amável também. O que eu quero saber é
se ele possui alguma poesia em seu sangue?
— Ele
nunca me escreveu nenhuma poesia.
— O
homem é uma fraude. Ele me diverte. Não tem mais poesia em si do
que uma bomba estomacal.
— Eu
acho Mike incrivelmente amável.
— Isso
porque ele tem dois Packards, um Pontiac e uma casa em Bel Air.
Ela
apenas sorriu, pois sequer estava ouvindo minha análise de toda a
situação.
Para
dizer a verdade, não sou materialista. Mas eu gostaria de dizer
algumas coisas a Jenny. Gostaria de dizer a ela que nos meus bons
tempos eu era dono de um automóvel. Tinha um carro maravilhoso, com
o chassi todo de aço, uma bomba de óleo de alta compressão, vidro
blindado, para-lamas, faróis e imensos pneus à prova de estouro.
Não
me interpretem mal. Eu falo do Plymouth porque gostaria que vocês
soubessem que eu vivi, mais ou menos, a vida do tapado do Mike
Schwartz. Não durou muito, porque a financeira logo acabou com
aquilo. Mas não me importei, porque já estava cansado daquilo e
havia uma porção de novas histórias que eu queria escrever. Mas,
eu desejava ter um carro agora. Por uma razão. Jenny relata sempre a
mim longas histórias da riqueza de Mike Schwartz. Não estou
realmente interessado. Fico simplesmente filosófico, um pouco
divertido e um pouco triste.
E,
no entanto, apesar de tudo, eu gostaria de ter meu Plymouth. Por
apenas uma hora eu gostaria de tê-lo para mim. Eu sei como se faz.
Levaria Jenny para dar uma volta no carro uma noite. Tão sobranceiro
quanto possível, sentaria ao lado dela, minhas mãos ao volante,
falando nada, sequer uma palavra. Deixaria toda a conversa com o
Plymouth. Nós iríamos até Santa Monica e estacionaríamos o carro
numa colina onde o mar se encontra com as estrelas. Com um toque
indiferente dos meus dedos eu ligaria o controle do painel e, do
ventre da máquina, o rádio responderia, emitindo o coaxar de rã de
Bing Crosby. Eu permaneceria forte e quieto, sem fazer nada. Nenhuma
necessidade de dizer a Jenny que seus cabelos me atordoavam, que a
expressão de seus olhos cinzentos bastava para me fazer esquecer,
por algum tempo, prosa, enredos e toda aquela coisa cansativa. Tudo
seria feito por máquina; mas, por pouco tempo, apenas uma hora seria
o suficiente. O Plymouth e Bing Crosby levariam Jenny às profundezas
de sua alma e por algum tempo tudo estaria bem. Logo eu ficaria
cansado daquilo, dentro de uma hora, talvez, e nós voltaríamos para
a cidade. Depois Jenny contaria para outras pessoas que conhecia um
escritor com um Plymouth. Não um mero escritor, mas um escritor com
um Plymouth. Mas isso não importaria também.
John
Fante, in A grande fome: Contos (1932-1959)
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