quarta-feira, 12 de julho de 2017

Um escritor com um Plymouth


Mas, à medida que o tempo passava, nada do que eu lhe dizia a chocava. Conversávamos toda noite, eu falando a maior parte do tempo e ela não prestando atenção alguma ao que eu dizia. Se você perguntasse, não há nenhuma palavra ou frase minha que Jenny pudesse lembrar. Isso é uma tragédia.
Eu disse algumas belas coisas, às vezes até surpreendendo a mim mesmo. Sou incapaz de evocá-las agora, mas lembro que na época elas eram espetaculares, refinadamente expostas e dignas de serem lembradas. Eu disse que eu desejo contar a verdade. Preciso fazer uma pausa agora e admitir que fracassei. Eu disse que Jenny era gorda e não era bonita. Isso é muito inexato, pois Jenny não é nada disso. Não. Jenny é uma beleza. Ela é esbelta e flexível. Sua postura é tão arrogante como a de uma rosa. É uma alegria viver ao seu lado. Seus cabelos são maravilhosos. Nem ruivos nem dourados, mas ambos, e ela os penteia com misteriosa elaboração, enrolando-os em um nó na nuca à maneira das mulheres eslavas. Foi casada, mas agora é divorciada. Seu marido era um avicultor. Achei isso engraçado.
Jenny — perguntei. — Qual é a cara de um avicultor?
Não havia motivo para isso. Na verdade, eu sei perfeitamente bem como é a cara de um avicultor. Meu tio em Colorado Springs está no ramo avícola e eu trabalhei um verão no seu rancho.
Mike Schwartz é viúvo. Eu o classificaria como bonito. Tem um filho, um bom menino, de seis anos. Às vezes Mike traz o menino aqui para ver Jenny. O menino a chama de Tia Jenny. Ele tem um corpo pequeno maravilhosamente forte, com pernas como marfim polido, e cabelos encaracolados. Um belo menino — um filho que eu teria orgulho de proclamar como meu. Ele é muito barulhento. Às vezes entra no meu quarto e eu o faço sentar à máquina e deixo que martele as teclas como um macaco. Ele gosta disso. Um belo menino. Uma tragédia que seu pai seja um sujeito tão burro. O menino tem um talento literário pronunciado. Se fosse meu, faria dele um gênio literário. Aos doze, eu o faria escrever e publicar uma autobiografia. Seria uma mera obra-prima. Eu providenciaria isso. Do jeito que as coisas vão, o garoto sem dúvida vai crescer e se tornar um bobalhão como o pai, um homem sem poesia que cai de joelhos e uiva como um bezerro ao dar um pedaço de metal de presente a uma garota.
Jenny fica excitada quando Schwartz traz o menino. Começa a parecer que Schwartz vai casar com ela. Ela botou a foto do menino na sua cômoda e ela o adora. Eu já comecei a me cansar da foto daquele menino. Toda vez que entro no seu quarto para pegar um cigarro emprestado tenho de tolerar aquela foto esfregada na minha cara, com uma coletânea de frases inteligentes do rapazinho. São ótimas, sem dúvida, mas não estou interessado. Gosto do menino, é um ótimo rapaz, mas seus epigramas pueris me aborrecem. Não estou realmente interessado.
Mike Schwartz visita Jenny regularmente. Toda noite antes que ele chegue, Jenny corre para o meu quarto e pergunta se está vestida corretamente, se seus cabelos estão bonitos, se eu gosto deste ou daquele par de sapatos. Mike Schwartz tem dinheiro, pilhas de dinheiro no banco. É dono de uma olaria. E isso não é tudo. Tem uma casa em Los Angeles, uma mansão em Bel Air, para não mencionar dois Packards e um Pontiac.
Jenny — eu disse —, ele pode ser dono de uma olaria e ter um castelo em Bel Air, mas ele tem uma alma? Tem alguma profundidade? Eu o observei de perto pessoalmente e não consigo descobrir nada de belo em sua natureza. É um conformista frio, sem sangue, voltado só para o dinheiro.
Ele é muito amável — disse Jenny.
Um julgamento perfeitamente sem sentido. Tem ele alguma percepção das coisas mais delicadas da vida? As coisas profundas, duradouras?
Ele é simplesmente amável. E, apesar de grandalhão, é gentil como um cordeiro.
Ergui os olhos para o teto.
Ah, Jenny. Sua ingenuidade me entristece. Me dá vontade de sair cegamente na noite para chorar no alto de um morro solitário pelos sofrimentos das mulheres. O simples fato de que Schwartz é amável não prova nada. Uma vaca é amável também. O que eu quero saber é se ele possui alguma poesia em seu sangue?
Ele nunca me escreveu nenhuma poesia.
O homem é uma fraude. Ele me diverte. Não tem mais poesia em si do que uma bomba estomacal.
Eu acho Mike incrivelmente amável.
Isso porque ele tem dois Packards, um Pontiac e uma casa em Bel Air.
Ela apenas sorriu, pois sequer estava ouvindo minha análise de toda a situação.
Para dizer a verdade, não sou materialista. Mas eu gostaria de dizer algumas coisas a Jenny. Gostaria de dizer a ela que nos meus bons tempos eu era dono de um automóvel. Tinha um carro maravilhoso, com o chassi todo de aço, uma bomba de óleo de alta compressão, vidro blindado, para-lamas, faróis e imensos pneus à prova de estouro.
Não me interpretem mal. Eu falo do Plymouth porque gostaria que vocês soubessem que eu vivi, mais ou menos, a vida do tapado do Mike Schwartz. Não durou muito, porque a financeira logo acabou com aquilo. Mas não me importei, porque já estava cansado daquilo e havia uma porção de novas histórias que eu queria escrever. Mas, eu desejava ter um carro agora. Por uma razão. Jenny relata sempre a mim longas histórias da riqueza de Mike Schwartz. Não estou realmente interessado. Fico simplesmente filosófico, um pouco divertido e um pouco triste.
E, no entanto, apesar de tudo, eu gostaria de ter meu Plymouth. Por apenas uma hora eu gostaria de tê-lo para mim. Eu sei como se faz. Levaria Jenny para dar uma volta no carro uma noite. Tão sobranceiro quanto possível, sentaria ao lado dela, minhas mãos ao volante, falando nada, sequer uma palavra. Deixaria toda a conversa com o Plymouth. Nós iríamos até Santa Monica e estacionaríamos o carro numa colina onde o mar se encontra com as estrelas. Com um toque indiferente dos meus dedos eu ligaria o controle do painel e, do ventre da máquina, o rádio responderia, emitindo o coaxar de rã de Bing Crosby. Eu permaneceria forte e quieto, sem fazer nada. Nenhuma necessidade de dizer a Jenny que seus cabelos me atordoavam, que a expressão de seus olhos cinzentos bastava para me fazer esquecer, por algum tempo, prosa, enredos e toda aquela coisa cansativa. Tudo seria feito por máquina; mas, por pouco tempo, apenas uma hora seria o suficiente. O Plymouth e Bing Crosby levariam Jenny às profundezas de sua alma e por algum tempo tudo estaria bem. Logo eu ficaria cansado daquilo, dentro de uma hora, talvez, e nós voltaríamos para a cidade. Depois Jenny contaria para outras pessoas que conhecia um escritor com um Plymouth. Não um mero escritor, mas um escritor com um Plymouth. Mas isso não importaria também.
John Fante, in A grande fome: Contos (1932-1959)

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