segunda-feira, 31 de julho de 2017

No princípio do fim

Há ruídos que não se ouvem mais:
o grito desgarrado de uma locomotiva na madrugada
os apitos dos guardas-noturnos quadriculando como um mapa a cidade adormecida
os barbeiros que faziam cantar no ar suas tesouras
a matraca do vendedor de cartuchos
a gaitinha do afiador de facas
todos esses ruídos que apenas rompiam o silêncio.
E hoje o que mais se precisa é de silêncios que interrompam o ruído.
Mas que se há de fazer?
Há muitos — a grande maioria — que já nasceram no barulho. E nem sabem, nem notam, por que suas mentes são tão atordoadas, seus pensamentos tão confusos. Tanto que, na sua bebedeira auricular, só conseguem entender as frases repetitivas da música Pop. E, se esta nossa “civilização” não arrebentar, acabamos um dia perdendo a fala — para que falar? para que pensar? — ficaremos apenas no batuque:
Tan!tan!tan!tan!tan!”
Mário Quintana, in A vaca e o hipogrifo

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