sábado, 15 de julho de 2017

Desejo de pintar

Desgraçado talvez o homem, mas feliz o artista torturado pelo desejo! Queimo do desejo de pintar aquela que me apareceu tão raramente e que tão depressa fugiu, como uma bela coisa pranteada, atrás do viajante transportado na noite. Há tanto tempo que desapareceu! Ela é bonita, mais do que bonita: é surpreendente. O negro nela prevalece: tudo o que inspira é noturno e profundo. Seus olhos são dois antros onde vagamente cintila o mistério, e o seu olhar ilumina como o relâmpago: é uma explosão nas trevas.
Eu a compararia a um sol negro, se se pudesse conceber astro negro derramando luz e felicidade. Todavia, lembra mais a lua, que sem dúvida a marcou com sua terrível influência. Não a lua branca dos idílios, que se assemelha a uma fria mulher casada, mas a lua inebriante e sinistra, suspensa no fundo de uma noite tempestuosa e bruscamente impelida pelas nuvens que correm. Não a lua calma e discreta que visita o sono dos homens puros, mas a lua arrancada do céu, revoltada e vencida, que as feiticeiras da Tessália cruelmente obrigavam a dançar na relva terrificada! Habitam-lhe a pequena fronte uma vontade tenaz e o amor à presa. No entanto, embaixo daquele inquietante rosto, onde narinas móveis aspiram o desconhecido e o impossível, explode, com uma graça inexprimível, a gargalhada de uma grande boca silenciosa, vermelha e branca, que faz sonhar com o milagre de uma flor soberba que desabrochasse num terreno vulcânico.
Há mulheres que inspiram o desejo de vencê-las e gozá-las. Aquela, porém, dá o desejo de morrer devagarinho sob o seu olhar.
Charles Baudelaire, in Pequenos poemas em prosa

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