Ser
um tímido notório é uma contradição. O tímido tem horror a ser
notado, quanto mais a ser notório. Se ficou notório por ser tímido,
então tem que se explicar.
Afinal,
que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção? Se ficou
notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto
com os outros e sua timidez seja apenas um estratagema para ser
notado. Tão secreto que nem ele sabe. É como no paradoxo
psicanalítico: só alguém que se acha muito superior procura o
analista para tratar um complexo de inferioridade, porque só ele
acha que se sentir inferior é doença.
Todo
mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais
salientes. Defendo a tese de que ninguém é mais tímido do que o
extrovertido. O extrovertido faz questão de chamar atenção para
sua extroversão, assim ninguém descobre sua timidez. Já no
notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar sua
extroversão tem o tamanho de um
carro alegórico. Daqueles que sempre quebram na concentração.
Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha existe um tímido
tentando se esconder e dentro de cada tímido existe um exibido
gritando “Não me olhem! Não me olhem!”, só para chamar a
atenção.
O
tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala,
todas as atenções se voltam para ele e para sua timidez
espetacular. Se cochicham, é sobre ele.
Se
riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra num lugar. Explode
no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça. Para
o tímido, não apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa
em outra coisa a não ser nele e no que pode fazer para embaraçá-lo.
O
tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e
cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai
descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem
certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme,
o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar
a palavra.
O
tímido tenta se convencer de que só tem problemas com multidões,
mas isto não é vantagem. Para o tímido, duas pessoas são uma
multidão. Quando não consegue escapar e se vê diante de uma
plateia, o tímido não pensa nos membros da plateia como indivíduos.
Multiplica-os por quatro, pois cada indivíduo tem dois olhos e dois
ouvidos.
Quatro
vias, portanto, para receber suas gafes. Não adianta pedir para a
plateia fechar os olhos, ou tapar um olho e um ouvido para cortar o
desconforto do tímido pela metade. Nada adianta. O tímido, em suma,
é uma pessoa convencida de que é o centro do Universo, e que seu
vexame ainda será lembrado quando as estrelas virarem pó.
Luís
Fernando Veríssimo,
in Comédias
para se ler na escola
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