segunda-feira, 5 de junho de 2017

Um violino muito triste


Eu não tinha nenhum amigo na escola, nem queria. Sentia-me melhor estando sozinho. Sentava-me num banco e assistia aos outros nas suas brincadeiras e todos me pareciam um bando de idiotas. Certo dia, durante o almoço, um garoto novo na escola se aproximou de mim. Vestia calças curtas, era vesgo e tinha os pés tortos, virados para dentro. Eu não gostava dele, sua aparência era horrível. Sentou-se ao meu lado no banco.
Olá, meu nome é David.
Não respondi.
Ele abriu sua lancheira.
Tenho sanduíches com manteiga de amendoim – ele disse. – O que você tem aí?
Sanduíches com manteiga de amendoim.
Também tenho uma banana. E algumas batatas fritas. Quer umas batatas?
Aceitei. Ele tinha uma boa quantidade delas, crocantes e salgadinhas, a luz do sol as atravessava por completo. Eram gostosas.
Posso pegar mais?
Claro.
Peguei mais algumas. Tinham até geleia os seus sanduíches de manteiga de amendoim. E ela escorria por seus dedos. David parecia não perceber.
Onde você mora? – ele perguntou.
Estrada Virgínia.
Moro na Pickford. Podemos ir juntos para casa depois da escola. Pegue mais batatas. Quem é sua professora?
A sra. Columbine.
A minha é a sra. Reed. Vejo você depois da aula, vamos juntos para casa.
Por que ele usava aquelas calças curtas? O que ele queria? Realmente não fui com a cara dele. Peguei mais de suas batatas.
Naquela tarde, depois da escola, ele me encontrou e começou a caminhar do meu lado.
Você não me disse o seu nome – ele falou.
Henry – respondi.
Enquanto percorríamos o caminho, percebi que uma gangue de garotos, todos das primeiras séries, nos seguia. Num primeiro momento, estavam meia quadra atrás de nós. Logo, porém, essa distância se reduziu a poucos metros.
O que eles querem? – perguntei a David.
Não respondeu, seguiu apenas caminhando.
Ei, cagalhão! – um deles gritou. – Sua mãe faz você cagar nas calças?
Pé torto, ho-ho, pé torto!
Hoje um vesgo vai ser morto!
Fomos cercados.
Quem é seu amigo? Ele lhe beija o rabo?
Um deles agarrou David pela gola. Jogou-o sobre um gramado. David se pôs de pé. Outro garoto se posicionou de quatro atrás de David. Um terceiro lhe deu um empurrão e David caiu de costas. Um garoto que até então não participara fez ele rolar no chão e começou a lhe esfregar o rosto na grama. Depois disso se afastaram. David voltou a se levantar. Ele não emitiu um pio, mas as lágrimas lhe molhavam o rosto. O maior dos garotos caminhou em sua direção.
Não queremos você na nossa escola, seu veadinho. Não apareça mais lá!
Desferiu um soco contra o estômago de David. Sob o impacto do golpe, ele se curvou, e o garoto lhe deu uma joelhada na cara. David caiu. Seu nariz sangrava.
Então os garotos me cercaram.
Agora é a sua vez!
Eles se moviam em círculo ao meu redor, e eu tentava acompanhá-los, me movendo no centro. Havia sempre algum deles que ficava fora do alcance da minha visão. Lá estava eu, cheio de merda na barriga e tendo que lutar. Eu estava aterrorizado e calmo ao mesmo tempo. Não conseguia entender o que os motivava. Eles continuavam me cercando, e eu continuava girando no meio deles. Aquilo parecia não ter fim. Eles me gritavam coisas, mas eu não ouvia o que diziam. Finalmente recuaram e seguiram seu caminho rua abaixo. David me esperava. Caminhamos pela calçada até o lugar em que ele morava, na rua Pickford.
Estávamos na frente da sua casa.
Bem, tenho que entrar. Até logo.
Até logo, David.
Ele entrou e pude ouvir a voz da sua mãe.
David! Veja o estado das suas calças e camisa! Estão rasgadas e cheias de marcas de grama! Você faz isso quase todos os dias! Me diga, por que você faz uma coisa dessas?
David não respondeu.
Eu fiz uma pergunta! Por que você faz isso com suas roupas?
Não tenho como evitar, mamãe...
Não tem como evitar ? Retardado mental!
Ouvi quando ela lhe bateu. David começou a chorar, e ela começou a espancá-lo. Fiquei parado no pátio da frente, ouvindo. Um pouco depois a surra terminou. Pude ouvir David soluçando. Então ele parou.
Sua mãe disse:
Agora, quero que pratique violino.
Sentei no gramado e esperei. Depois ouvi o violino. Era um violino muito triste. Não gostava do modo como David tocava. Fiquei sentado por mais algum tempo, mas a música não estava melhorando. A bosta havia se empedrado dentro de mim. Eu não sentia mais vontade de cagar. A luz da tarde feria meus olhos. Senti vontade de vomitar. Levantei e caminhei para casa.
Charles Bukowski, in Misto-quente

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