Você,
que diz que, se pudesse, trocaria seu nome por “Melancolia”, você
me pergunta sobre as razões da tristeza. Me pergunta mais: sobre as
razões por que há pessoas que se emocionam com coisas pequenas –
as outras nem ligam e até se riem da sua sensibilidade –, o que
lhe dá uma tristeza ainda maior, a tristeza da solidão.
Olhe,
há tristezas de dois tipos. Primeiro, são as tristezas diurnas,
quando o mundo está iluminado pelo sol. Tristezas para as quais há
razões. Fico triste porque o meu cãozinho morreu, porque o meu
filho está doente, porque crianças esfarrapadas e magras me pedem
uma moedinha no semáforo, porque o amor se desfez. Para essas
tristezas há razões. Quem não sente essas tristezas está doente e
precisaria de terapia para aprender a ficar triste. Tristeza é parte
da vida. Ela é a reação natural da alma diante da perda de algo
que se ama. O mundo está luminoso e claro – mas há algo, uma
perda, que faz tudo ficar triste.
Segundo,
são as tristezas de crepúsculo. O crepúsculo é triste,
naturalmente. Não, não há perda nenhuma. Tudo está certo. Não há
razões para ficar triste. A despeito disso, no crepúsculo a gente
fica. Talvez porque o crepúsculo seja uma metáfora do que é a
vida: a beleza efêmera das cores que vão mergulhando no escuro da
noite.
A
alma é um cenário. Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e
fresca, inundada de alegria. Por vezes ela é como um pôr de sol,
triste e nostálgico. A vida é assim. Mas, se é manhã brilhante o
tempo todo, alguma coisa está errada. Tristeza é preciso. A
tristeza torna as pessoas mais ternas. Se é crepúsculo o tempo
todo, alguma coisa não está bem. Alegria é preciso. Alegria é a
chama que dá vontade de viver.
Eu
acho que essa tristeza crepuscular é mais que uma perturbação
psicológica. Acho que ela tem a ver com a sensibilidade perante a
dimensão trágica da vida. A vida é trágica porque tudo o que a
gente ama vai mergulhando no rio do tempo.
“Tudo
flui; nada permanece” (Heráclito). A vida é feita de perdas.
Fiquei comovido, dias atrás, vendo fotos dos meus filhos quando eles
eram meninos. Aquele tempo passou. Aquela alegria mergulhou no rio do
tempo. Não volta mais. Há, assim, um trágico que não está ligado
a “eventos trágicos”. Está ligado à realidade da própria
vida. Tudo o que amamos, tudo o que é belo, passa.
Mas
é precisamente desse sentimento que surge uma coisa maravilhosa,
motivo de riqueza espiritual: a arte. Os artistas são feiticeiros
que tentam paralisar o crepúsculo. Eternizar o efêmero. Todas as
vezes que ouço aquela música ou leio aquele poema, o passado
ressuscita. A beleza da arte nasce da tristeza. Se não houvesse
tristeza, não haveria arte. Diz o Jobim: “Assim como o poeta só é
grande se sofrer...” Certo. Sem tristeza não haveria Cecília,
Adélia, Pessoa, Chico, Beethoven, Chopin. A obra de arte ou é para
exprimir ou para curar o sofrimento.
Mas
há um limite. É preciso que a tristeza seja temperada com alegria.
Tristeza, só, é muito perigoso. As pessoas começam a desejar
morrer. Essa é a razão por que os deprimidos querem dormir o tempo
todo. O dormir é uma morte reversível.
Quando
a gente está com dor de cabeça, toma aspirina sem vergonha alguma.
Quando a gente está com dor de alma, tristeza, algum remédio é
preciso – para não querer morrer, para voltar a ter alegria.
Uma
ajuda para a tristeza é conversar. Para isso é preciso ter alguém
que escute, que entenda a tristeza. Muitas pessoas procuram terapia
para isso: não porque sejam doentes mentais, mas porque precisam
compartilhar sua tristeza com alguém que conheça a luz crepuscular.
Rubem
Alves, in Se eu pudesse viver minha vida outra vez
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