O
padre Alfredo estava ficando velho. Todos na paróquia concordavam:
era triste, mas o padre Alfredo precisava se aposentar. Durante anos
ele servira a comunidade com dedicação e sabedoria. Mas seu tempo
estava acabando. Era bonito vê-lo batizando netos de gente que ele
também batizara, mas era constrangedor vê-lo se confundindo e
derramando a água benta na cabeça do avô em vez do neto. E
comentava-se que suas aulas de catecismo também tinham se tornado
confusas. Por alguma razão, ele insistia que o pai de Jesus não se
chamava José, mas Clóvis.
O
primeiro sinal de que o padre Alfredo deveria ser substituído foi na
inauguração do microfone, na missa. Ele resistira o quanto pudera,
mas finalmente fora convencido a aceitar a novidade. Todos os padres
estavam usando microfones durante o serviço religioso. Alguns
traziam o microfone preso no peito, para ficarem com as mãos livres.
Quando empunhou o microfone pela primeira vez, o padre Alfredo
examinou-o em silêncio por alguns minutos e depois levou-o à boca e
começou a cantar um bolero. O que mais espantou os fiéis foi o
padre Alfredo saber toda a letra de Tu me acostumbraste.
O
padre Alfredo dormia durante as confissões. Só acordava quando o
penitente, estranhando o silêncio do outro lado do gradil, falava
mais alto.
— E
então, padre?
— Ahn?
— Qual
é a penitência?
—
Penitência?
— Pelos
meus pecados.
—
Dezessete ave-marias e vinte e nove
padre-nossos.
— Mas
padre, não houve penetração.
— Não
interessa.
— O
senhor nem ouviu os pecados!
— Mais
trinta salve-rainhas pela insolência. E corta os doces por um mês.
Mas
o que levou membros da comunidade a pedir a interdição do padre
Alfredo foi seu comportamento na cerimônia de casamento do Agenor e
da Maria Estela. Igreja lotada. Autoridades presentes. Grande pompa.
O organista tocando seleções de Lloyd-Webber. Entre aias,
padrinhos, madrinhas e parentes, mais de cinquenta pessoas no altar.
E o padre Alfredo, que aderira ao microfone preso no peito, perfilado
no seu lugar, com os olhos fechados. Tensão na igreja. Num casamento
recente, o padre Alfredo lançara-se numa longa dissertação sobre o
significado da união entre o homem e a mulher, começando com Adão
e Eva, passando por Clóvis e Maria e chegando aos nossos dias, com o
sacramento tão desprestigiado, e tanta gente vivendo junta sem
benefício de matrimônio. E terminara pedindo à congregação uma
salva de palmas para o casal à sua frente, que decidira se casar na
igreja. Ele mesmo liderara o aplauso, como um chefe de torcida. O que
o padre Alfredo iria aprontar agora?
O
padre Alfredo custou a começar a cerimônia. O pai da noiva já se
preparava para cutucá-lo, temendo que o padre estivesse dormindo em
pé, quando ele abriu os olhos, sorriu para os noivos, e perguntou:
— Vocês
têm certeza?
Noivo
e noiva se entreolharam. O padre continuou:
— Vocês
sabem o que estão fazendo?
O
Agenor se sentiu na obrigação de responder.
— Sim,
padre.
— Já
pensaram no que vem por aí? Uma vida inteira, juntos? As brigas, às
vezes por mesquinharia? O ciuminho? Os sogros se metendo? As
diferenças: filme de pancadaria ou filme romântico? Luz acesa para
um ler quando o outro quer dormir? Um não podendo viver sem ar
refrigerado, apesar da rinite do outro? Já pensaram?
E
um murmúrio de perplexidade percorreu a plateia quando o padre
Alfredo acrescentou:
— E
ainda por cima tem os filhos. Outra incomodação.
O
padre retirou-se do altar com um abano, aconselhando os noivos:
—
Pensem melhor, pensem melhor...
Não
havia dúvidas. O padre Alfredo precisava se aposentar.
Luís
Fernando Veríssimo, in Diálogos impossíveis
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