Quando
você começa a sair com uma pessoa, os sentidos ficam aguçados, a
linguagem corporal é observada: tique, jeito de andar, de sentar,
pedir comida, cumprimentar o garçom, comer, entregar a chave para o
manobrista, dirigir, respeitar a faixa de pedestre, vagas para
deficientes e idosos, dar passagem e ligar o pisca.
Checam-se
gostos pessoais, figurino, lustre do sapato, tamanho do salto,
autenticidade do relógio, joias e CDs do carro, marca do celular e o
toque. Uma relação pode não dar certo se o toque de chamada for
estridentemente musical ou o hino do time detestado.
Os
mais diretos perguntam logo no primeiro encontro quais as doenças
recorrentes na família.
No
fundo, desenvolve-se o instinto mais fundamental da espécie:
procurarmos e selecionarmos o saudável parceiro reprodutor.
Como
a civilização avançou e instituiu rituais de acasalamento, nos
perguntamos então se está ali a mulher ou o homem da nossa vida,
com quem seremos fiéis na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença etc.
Muitos
encontros são marcados por e-mails ou torpedos.
E
são baixas as chances de eles se realizarem se uma das partes solta:
“Vou
estar passando daqui a pouco.”
“Vamos
marcar para meio-dia e meio?”
“Pode
ser amanhã? A tempos que naum me sinto tão mau. Deve ser o calor…”
“Vamos
se falar amanhã então.”
Bem.
Neste caso, como são dois semianalfabetos tecnológicos, pode até
dar certo.
Se
a etapa da comunicação for vencida, e o interlocutor sabe que “pra”
não tem acento, as diferenças de “mal” e “mau” e quando
usar “por que” e “porque”, algumas frases ditas entre o
couvert e a sobremesa são suficientes para indicar que talvez
ali, tomando aquele vinho caro, todo efusivo, não esteja o
reprodutor (ou a reprodutriz) ideal:
“Tocantes
as declarações de Ahmadinejad. Fala a verdade, alguém tem provas
do Holocausto? Isso é exagero dos judeus. Não tenho preconceitos.
Minha dermo é judia. Se eu tivesse, nem deixava ela encostar em mim.
Os melhores médicos são judeus. Fazer o quê?”
“Pra
mim pagar essa conta, vai pesar no orçamento. Bebe este vinho com
gosto, curtindo cada gota!”
“Saudades
do Maluf. O cara mudou a cidade. Minhocão, Marginais. São Paulo
ficou bem mais bonita.”
“A
nível de governo, na época do Quércia não tinha essa violência.
Tem que colocar a Rota nas ruas! Rota, Exército, Marinha,
Aeronáutica e a Guarda Florestal! Só tem animal solto por aí.”
“Bom
mesmo era na época da ditadura. Não tinha corrupção, o Brasil
crescia, não tinha nada de sem-terra, sem-teto… Todo mundo tinha
alguma coisa.”
“Uma
vez fiz sexo com o time de futebol da faculdade. E não era o de
salão. Nem estava bêbada.”
“Desde
que esses nordestinos vieram pra São Paulo, a cidade nunca mais foi
a mesma.”
“Tinham
que jogar uma bomba em cada favela carioca antes dos Jogos
Olímpicos.”
“Que
ator é o Van Damme. Fora que é o mó gato. Ficaria com ele fácil.
Só perde para o Steven Seagal, que é um ator mais denso.”
“Quer
ir lá em casa? Não tenho bebida. Mas chegou um carregamento da
Colômbia. Purinha. Galera até soltou fogos.”
“Eu
transo sem camisinha. Mas tomo cuidado, transo com quem conheço. Eu
confio nas minhas transas. Só quando vou no Carnaval pro sul da
Bahia, aí, sei lá. Ah, pra que encanar com isso? Conhece Itabuna?”
“O
melhor do Paulo Coelho é Veronika decide morrer, leu? O final
é chocante. Ela não morre! Ih, contei o final…”
“Tenho
piercing em cada orelha, na língua, no pescoço, nos bicos
dos seios, no umbigo e… Terá que descobrir os outros. Tenho mais
sete.”
“Na
minha casa ou na sua? Vou avisando que durmo na cama com meus quatro
cachorrinhos. Ah, somos inseparáveis. São pit bull, mas são
de confiança e não têm pulgas. Tudo bem, nem gostam de dormir de
conchinha.”
“Eu
só viajo de primeira classe. Acho a comida da executiva um lixo. E o
aperto?”
“Minha
apneia do sono é grave, mas convivo numa boa com ela. A da minha avó
é pior. Ela dorme na cama ao lado. E é sonâmbula. Doidona. Quer ir
lá conhecer? Mas precisamos levar uma garrafa de Bell’s. Ela só
dorme com uísque nacional.”
“Teatro
só vou em Nova York. Vi Cats mais de vinte vezes. Acho que da
última finalmente entendi o final. Mudou a minha vida.”
“Mais
gata que a Ivete só a Cláudia Leite. E como cantam…”
“Meu
sonho é entrar para o BBB, todo ano me inscrevo. Mas se rolar um
teste pro programa A Fazenda também pego.”
“Meu
pai que é esperto, trabalhou com o PC Farias, Daniel Dantas, Celso
Pitta, Marcos Valério. Cresci com esses caras lá em casa jogando
truco. Agora, meu pai quer abrir uma offshore comigo no
Caribe. Sou um laranja dele desde pequenininho. E ano que vem tem
eleições.”
“O
filme da minha vida é O guarda-costas, com Whitney Houston e
Kevin Costner. Aliás, o disco dela não sai do meu carro. Tô louco
pra comprar o DVD em que ela canta com a Mariah Carey. Animal, né?
Adoro aquela. Canta comigo I’ll Always Love You. Tô até
arrepiado. Chorei tanto na morte dela…”
Neste
caso, rache a conta e saia fora.
Marcelo
Rubens Paiva, in As verdades que ela não diz
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